As doenças alérgicas, com
importância crescente nos últimos 30 a 40 anos, afastam-se muito do modelo
tradicional das doenças profissionais, uma vez que a dose de exposição poderá
ter influência na sensibilização mas o trabalhador, uma vez sensibilizado, é
susceptível de ter manifestações clínicas da doença independentemente da
intensidade (ou da dose) de exposição.
Talvez o maior problema
das doenças alérgicas profissionais resida na decisão sobre a aptidão para o
trabalho já que diversos estudos revelam que uma vez feito o diagnóstico, a
manutenção da exposição profissional pode, em muitos casos, agravar a patologia e manter-se
mesmo após o afastamento do agente profissional.
As manifestações
alérgicas ligadas ao trabalho podem ter diversas localizações assinalando-se,
pela sua importância, a árvore respiratória (asma e alveolites alérgicas
extrínsecas) e a pele (eczema de contato, urticária ou edema de Quincke). A
alergia profissional pode ainda caracterizar-se por manifestações oculares
(conjuntivites e uveítes, por exemplo) e menos frequentemente, por reações
sistémicas graves como a anafilaxia.
As principais formas
clínicas são a asma alérgica, a rinite alérgica e o eczema de contato alérgico.
O atual conhecimento
científico das relações dose-efeito(resposta) destas patologias é muito
incompleto parecendo que quanto maior for a intensidade e o tempo de exposição,
maior é a probabilidade de ocorrência do quadro clínico. Tal tem justificado a
fixação de concentrações máximas admissíveis (ou valores limite) de exposição.
Os agentes etiológicos
são extremamente numerosos e englobam substâncias orgânicas, macromoléculas
simples e outras substâncias não macromoleculares.
Talvez a principal
alergopatia profissional seja a asma que, no contexto das doenças respiratórias
profissionais, tem vindo a adquirir o principal protagonismo, desalojando as
doenças respiratórias dose-dependentes, como é o exemplo típico da silicose.
Trata-se de uma doença caracterizada por obstrução brônquica variável e por uma
hiper-reactividade brônquica, também variável, ambas causadas por agentes
profissionais. O denominador comum é ser uma doença inflamatória crónica das
vias aéreas.
Os mecanismos de
broncoconstrição são incompletamente conhecidos envolvendo a broncoconstrição
reflexa (ação direta nos recetores brônquicos), a reação inflamatória (gases e
partículas com ação irritativa), farmacológica (semelhante a fármacos, como os
organofosforados, os persulfatos e as aminas aromáticas) e imunológica (haptenos
ou alergénios, reação IgE mediada ou não). Nalguns casos, como por exemplo na
bissinose, parecem coexistir diversos mecanismos de broncoconstrição.
Outra alergopatia muito
frequente é a rinite alérgica profissional, muitas vezes a primeira
manifestação de uma alergia respiratória relacionada com o trabalho. Ainda que
possa aparecer isolada a rinite é muitas vezes um sinal de “alarme” de uma asma
profissional. São disso um bom exemplo as atividades em padarias e o trabalho
com animais (incluindo os de laboratório). As suas manifestações clínicas são
as crises esternutatórias, muitas vezes em salva, o prurido nasal, a rinorreia
e a obstrução nasal.
Finalmente, os eczemas
de contacto alérgicos caracterizam-se por uma reação de hipersensibilidade
retardada em que o alergénio (ou o hapteno) reage com as células de Langerhans
que o apresentam aos linfocitos T que culminará em memória imunológica e
células efectoras (a chamada fase de sensibilização). Qualquer novo contacto
desencadeia a libertação de citocinas, interferão e a ativação dos macrófagos
(a chamada fase de revelação).
Talvez o eczema alérgico
de contacto mais característico seja o eczema dos pedreiros, resultante da
sensibilização a dois metais, o crómio e o cobalto.
O modelo de prevenção
dos riscos profissionais, centrado no ambiente de trabalho, é essencialmente concebido
para fatores de risco de natureza profissional dose-dependentes. Algumas
variáveis de natureza individual, como por exemplo a atopia pode ser um fator
muito importante na exposição profissional a faneras de animais mas não terá tanta importância noutros casos, por exemplo, na
exposição a substâncias químicas de baixo peso molecular.
As principais medidas de prevenção deverão centrar-se na prevenção coletiva, atribuindo grande prioridade à substituição do agente causal. A utilização cada vez mais criteriosa de luvas de látex e a sua substituição por luvas sem látex é disso um bom exemplo. Também a máxima hermetização de fases do processo fabril com exposição a agentes causais tem indiscutível importância.
Quaisquer que sejam
as estratégias de gestão de riscos, não se devem circunscrever aos fatores de risco individuais as principais
medidas de gestão desses riscos profissionais.
Lisboa, 22 de dezembro de 2021
Nota: Baseado nos dois textos referidos na bibliografia
Bibliografia
- Sousa-Uva A. O médico do trabalho e as doenças alérgicas profissionais. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho (Cadernos Avulso 02), 2000. Em linha. Disponível em: http://www.spmtrabalho.com/downloads/ca02.pdf, consultado em 12-12-2021.
- Sousa-Uva A. Doenças alérgicas profissionais In: Mendes R. Dicionário de Saúde e Segurança do Trabalhador: Conceitos – Definições – História – Cultura. Novo Hamburgo: Proteção Publicações, 2018. 1.280 p. isbn:978-85-67121-01-7.