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quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Suberose: uma doença profissional descrita por portugueses

 


 

 Antonio Sousa-Uva

Quando pensamos em doenças descritas por portugueses, quase sempre nos vem à memória a polineuropatia amiloidótica familiar, vulgarmente conhecida por paramiloidose ou doença de Corino de Andrade (popularmente a doença dos pezinhos). Como julgo que todos sabemos, é uma forma de amiloidose transmitida geneticamente e identificada e descrita pela primeira vez, nos anos de 1950, por Corino de Andrade, daí o seu nome …

 

Raramente nos lembramos de outra doença, a Suberose, que foi descrita por Vinte-e-Um Mendes em 1947 e por Lopo Cancella de Abreu em 1955, ambos médicos portugueses, que chamaram a atenção para a possibilidade da associação entre a exposição a poeiras de cortiça e a ocorrência de diversos sintomas respiratórios. Estudos posteriores de Ramiro Ávila (que estiveram na origem do seu doutoramento), Thomé Vilar, Telles de Araújo e Cortez Pimentel foram decisivos para o esclarecimento de uma multiplicidade de aspetos epidemiológicos e patogénicos da suberose, incluindo os do foro imunológico que adquirem o maior protagonismo na etiologia da doença.

 

Clinicamente a suberose caracteriza-se por um quadro subagudo ou crónico de alveolite alérgica extrínseca também associada a outros agentes etiológicos, que pode evoluir para a fibrose pulmonar, com envolvimento brônquico muito frequente traduzido em sintomatologia de tosse, expetoração e outra sintomatologia asmatiforme e, por vezes, queixas de irritação nasal, crises esternutatórias e rinorreia. Nos trabalhadores com sinais sugestivos de doença do interstício pulmonar os sintomas dominantes são a tosse, a dispneia progressiva, o emagrecimento e, nos surtos agudos, os acessos febris.

 

Um dos primeiros estudos epidemiológicos realizado em fábricas de cortiça foi publicado em 1973 (há meio século) a partir da realização de um questionário de sintomas, exame clínico, exame espirométrico e microrradiográfico e pesquisa de precipitinas para o Penicillium Frequentans nos seus trabalhadores. Com esses critérios identificou-se, então, uma prevalência de 19% de operários portadores de Suberose o que revela a importância do ambiente profissional na origem da doença em trabalhadores expostos.

 

No nosso caso concreto, nos primeiros anos de atividade clínica, a identificação de alguns casos de Suberose, em trabalhadores de uma fábrica de cortiça no sul de Portugal, que se manifestaram como “síndromes gripais” recidivantes, constituíram um verdadeiro “gatilho” para a especialização em Medicina do Trabalho. Com uma formação médica, em que a Medicina do Trabalho nem era aflorada na formação pré-graduada, tais manifestações clínicas constituíram intrigantes casos clínicos que, estudados com maior profundidade, se vieram a revelar quadros de Suberose todos ocorridos num sector fabril da referida unidade fabril. Qual “toque de Midas”, assim nasceu a curiosidade pela Patologia e a Clínica do Trabalho que determinou a escolha dessa especialidade médica.

 

Ainda que os casos de Suberose não sejam propriamente frequentes, a sua ligação à Medicina Portuguesa, designadamente à Medicina do Trabalho e à Pneumologia, bastaria para lhes ser atribuída mais importância do que lhes é actualmente conferida. Também a polineuropatia amiloidótica familiar não é nada frequente, mesmo num contexto geográfico determinado, e, felizmente, a sua associação à Medicina Portuguesa é com frequência ciclicamente recordada. Talvez a Neurologia seja mais valorizada do que a Medicina do Trabalho, mas, em ambos os casos, deveria ser um pouco mais valorizada a contribuição da Medicina Portuguesa.

 

 

Bibliografia

  • Sousa-Uva A, Graça L. Saúde e Segurança do Trabalho: Glossário. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho (Cadernos Avulso 04), 2004.
  • Sousa Uva A. Suberose. In: MENDES, René (Org.). Dicionário de Saúde e Segurança do Trabalhador: Conceitos – Definições – História – Cultura. Novo Hamburgo/RS: Proteção Publicações, 2018. 1.280 p. isbn:ISBN: 978-85-67121-01-7.
  • Vilar T, Ávila R. Granulomatoses pulmonares de causa inalatória. Lisboa: Brás Monteiro, 1976.

Nota: Publicado inicialmente em Healthnews.