Antonio Sousa-Uva
As relações trabalho/saúde(doença) são quase sempre perspectivadas patogenicamente, através dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais. No entanto essas relações são muito mais complexas e, adicionalmente, não valorizam a perspectiva da promoção da saúde no local de trabalho e a manutenção da capacidade de trabalho. A proposta é de, em pequenas "migalhas", reflectir nesses diversos temas.
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terça-feira, 20 de dezembro de 2022
Trabalho com saúde vs. “”ou trabalho ou saúde”
sexta-feira, 2 de dezembro de 2022
Medicina do Trabalho, Saúde Ocupacional e violência contra os profissionais de saúde no Local de Trabalho
Antonio Sousa-Uva
Os factores de risco de natureza psicossocial têm vindo, gradualmente, a ter uma maior visibilidade no contexto dos factores de risco de natureza profissional. Por exemplo, nos profissionais de saúde, em todo o ano passado, foram registados na plataforma da Direcção-Geral da Saúde (DGS) 961 episódios de violência (825 em 2020) e, este ano, até final de outubro, já foram registados 1347. Os episódios de agressão registados nos primeiros dez meses de 2022 são em médicos e enfermeiros (32 e 31%, respectivamente) e 29% em assistentes técnicos. A violência psicológica (67%) é a que mais se evidencia nos dados dos episódios de violência notificados até outubro de 2022, seguindo-se o assédio (14%) e violência física (13%). Estarão a aumentar esses episódios ou o que aumenta é a sua notificação?
Os trabalhadores da saúde apresentam, de facto, um
risco elevado de violência no local de trabalho relacionado mais com a sua
actividade de trabalho do que com as respectivas condições de trabalho. Dito de outra
forma, a prevenção desses riscos deve centrar-se mais nessa actividade que, por
isso, deve ser exercida tendo presente esse risco concreto e também tendo
presentes, por certo, as condições em que se exerce. Para além do
agravamento jurídico das penas desses actos, ter-se-ão posto em marcha os
necessários mecanismos de prevenção?
Recentemente foi por nós realizado um estudo que teve
como objetivo caracterizar a violência física e verbal num hospital público da
Grande Lisboa na perspectiva de propor algumas estratégias de prevenção e
vigilância em Saúde Ocupacional. O
estudo, observacional e transversal, foi realizado através da aplicação
de um inquérito qualitativo com entrevistas em profundidade a seis trabalhadores
e um inquérito quantitativo, com questionários, a 32 trabalhadores. Os principais resultados assinalam
uma insuficiência de respostas organizacionais adequadas num contexto de livre
acesso a zonas de trabalho e ainda a insuficiente protecção por agentes de
segurança.
A pouca familiaridade com os procedimentos internos de
notificação foi identificada como uma área carenciada de melhoria, bem como a
pouca expressividade das estratégias intervencionistas direcionadas a incrementar
essas melhorias. Ter-se-ão desencadeado as acções necessárias à melhoria
dessa familiaridade por parte dos profissionais de saúde? As instituições do Ministério da
Saúde estarão a colaborar na avaliação e no diagnóstico das condições de
segurança dos serviços, bem como a promover medidas de prevenção da violência,
a par do necessário apoio jurídico e psicossocial aos profissionais vítimas de
agressão?
Concluiu-se, então, que existia ainda uma importante
carência de programas específicos projetados para aumentar as respectivas taxas
de notificação que, em si mesmo, nada previnem, mas que possibilitam um melhor
conhecimento da realidade concreta, esse sim potencial promotor de medidas de prevenção.
Claro
que o Observatório Nacional da Violência Contra os Profissionais de Saúde no
Local de Trabalho, desenvolvido pela DGS, há poucos anos, com o objetivo de disponibilizar
um sistema de notificação online dos episódios de violência, bem como a divulgação
de documentação e instrumentos de referência e a partilha de boas práticas tem
tido, por certo, uma utilidade indiscutível e deve, por isso, ser saudado. Também o aumento da oferta de
apoio psicossocial aos profissionais de saúde é indispensável, mas será
suficiente o investimento que se tem feito em medidas de prevenção de natureza mais
primária? Não deveríamos aumentar o nosso empenho no incremento de mais medidas de prevenção desses acontecimentos?
Bibliografia
- Antão H, Sacadura-Leite E, Manzano M, Pinote S, Relvas R, Serranheira F, Sousa-Uva A. Workplace Violence in Healthcare: A Single-Center Study on Causes, Consequences and Prevention Strategies. Acta Médica Portuguesa. 2020;33(1):31-37.
- Portugal. Ministério da Saúde. Direção-Geral da Saúde. Programa Nacional de Prevenção da Violência no Ciclo de Vida. Plano de Ação para a Prevenção da Violência no Setor da Saúde. Disponível em: https://www.dgs.pt/documentos-em-discussao-publica/plano-de-acao-para-a-prevencao-da-violencia-no-setor-da-saude-pdf.aspx (consultado em 25/11/22).