A perspectiva, muito frequente, de encarar a Medicina do Trabalho como uma
intervenção médica de selecção (ou de controlo) de trabalhadores (ou do seu
absentismo) deve ser definitivamente abandonada, quanto mais não seja porque, até
legalmente, tal não é sequer permitido. Outras vezes a perspectiva centra-se
mais em suprir algumas insuficiências do sistema público de prestação de cuidados
(uma espécie de Medicina no trabalho).
Porque será então que essas perspectivas
permanecem relativamente frequentes?
Quais serão as principais razões que estão na
sua origem?
O que deverá ser feito para corrigir perspectivas
tão distorcidas?
A dimensão “imposição legal” de organização
de serviços de Medicina do Trabalho terá nisso alguma influência?
Os custos dessa imposição suportados pela
entidade patronal poderão também influenciar aquelas perspectivas?
A busca de respostas a estas (e, seguramente, a muitas
outras) questões poderão, pelo menos parcialmente, explicar tal incompreensão
do papel e da necessidade de organizar serviços de Medicina do Trabalho e da
sua utilidade para uma qualquer empresa (ou outra organização).
A Saúde Ocupacional, no seu sentido mais amplo, é uma
área científica, multi(e trans)disciplinar, que objetiva um ambiente de
trabalho saudável, seguro e satisfatoriamente confortável e um trabalhador
saudável, ativo e produtivo, sem doenças naturais ou profissionais e apto e
motivado para o exercício da sua atividade profissional, com satisfação e
desenvolvendo-se de forma pessoal e profissional. A Medicina do Trabalho, entre
outras, faz parte das áreas necessárias a esses objectivos e dedica-se, concretamente,
à prevenção médica dos riscos profissionais, à promoção da saúde dos
trabalhadores e à manutenção da sua capacidade de trabalho.
É
facilmente perceptível que uma empresa (ou outra qualquer organização) com uma
força de trabalho saudável, segura e motivada para o seu objectivo de criação
de riqueza conseguirá, com maior facilidade, atingir tais objectivos se os seus
trabalhadores se mantiverem saudáveis, seguros, motivados e empenhados. A sua
saúde e segurança é, consequentemente e para tal, mais uma necessidade do que uma
obrigatoriedade (legal).
Também na perspectiva individual de cada trabalhador é, igualmente, fácil
compreender que quem trabalha não
deve perder a vida a ganhá-la e, consequentemente, é imperioso que se valorize
o trabalho como atividade central da vida humana isenta de riscos profissionais. Se tal não for possível, no mínimo, deve-se investir em ambientes de
trabalho em que o controlo desses riscos seja efetivo e em ambientes de trabalho compatíveis com as situações (de saúde e
segurança) concretas dos trabalhadores.
Assim sendo, porque será quase regra olhar para a Medicina do
Trabalho (e outras áreas da Saúde Ocupacional) como um custo em vez de um
investimento?
Estarão, pelo menos parcialmente, nas políticas públicas nacionais
de Saúde e Segurança as razões daquela incompreensão?
Estarão, em alternativa, nas actuais práticas da Medicina do
Trabalho as principais razões daquela incompreensão?
Certo, certo é que, independentemente das respostas concretas a tantas
questões, não podem existir empresas saudáveis e seguras sem trabalhadores
saudáveis e seguros e tal não é possível alcançar sem a participação da
Medicina do Trabalho. Apesar disso, talvez a busca de respostas às diversas
questões colocadas possa contribuir muito para compreender a referida
incompreensão da utilidade da Medicina do Trabalho e corrigir definitivamente
práticas ainda existentes que deveriam, há muito, estar definitivamente abandonadas.
Nota: Publicado inicialmente na plataforma Healthnews.