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domingo, 22 de maio de 2022

Medicina do Trabalho: uma especialidade médica nem sempre bem conhecida, nem compreendida!

 


Antonio Sousa-Uva

 

A perspectiva, muito frequente, de encarar a Medicina do Trabalho como uma intervenção médica de selecção (ou de controlo) de trabalhadores (ou do seu absentismo) deve ser definitivamente abandonada, quanto mais não seja porque, até legalmente, tal não é sequer permitido. Outras vezes a perspectiva centra-se mais em suprir algumas insuficiências do sistema público de prestação de cuidados (uma espécie de Medicina no trabalho).

 

Porque será então que essas perspectivas permanecem relativamente frequentes?

Quais serão as principais razões que estão na sua origem?

O que deverá ser feito para corrigir perspectivas tão distorcidas?

A dimensão “imposição legal” de organização de serviços de Medicina do Trabalho terá nisso alguma influência?

Os custos dessa imposição suportados pela entidade patronal poderão também influenciar aquelas perspectivas?

 

 

A busca de respostas a estas (e, seguramente, a muitas outras) questões poderão, pelo menos parcialmente, explicar tal incompreensão do papel e da necessidade de organizar serviços de Medicina do Trabalho e da sua utilidade para uma qualquer empresa (ou outra organização).

 

A Saúde Ocupacional, no seu sentido mais amplo, é uma área científica, multi(e trans)disciplinar, que objetiva um ambiente de trabalho saudável, seguro e satisfatoriamente confortável e um trabalhador saudável, ativo e produtivo, sem doenças naturais ou profissionais e apto e motivado para o exercício da sua atividade profissional, com satisfação e desenvolvendo-se de forma pessoal e profissional. A Medicina do Trabalho, entre outras, faz parte das áreas necessárias a esses objectivos e dedica-se, concretamente, à prevenção médica dos riscos profissionais, à promoção da saúde dos trabalhadores e à manutenção da sua capacidade de trabalho.

 

É facilmente perceptível que uma empresa (ou outra qualquer organização) com uma força de trabalho saudável, segura e motivada para o seu objectivo de criação de riqueza conseguirá, com maior facilidade, atingir tais objectivos se os seus trabalhadores se mantiverem saudáveis, seguros, motivados e empenhados. A sua saúde e segurança é, consequentemente e para tal, mais uma necessidade do que uma obrigatoriedade (legal).

 

Também na perspectiva individual de cada trabalhador é, igualmente, fácil compreender que quem trabalha não deve perder a vida a ganhá-la e, consequentemente, é imperioso que se valorize o trabalho como atividade central da vida humana isenta de riscos profissionais. Se tal não for possível, no mínimo, deve-se investir em ambientes de trabalho em que o controlo desses riscos seja efetivo e em ambientes de trabalho compatíveis com as situações (de saúde e segurança) concretas dos trabalhadores.

 

Assim sendo, porque será quase regra olhar para a Medicina do Trabalho (e outras áreas da Saúde Ocupacional) como um custo em vez de um investimento?

Estarão, pelo menos parcialmente, nas políticas públicas nacionais de Saúde e Segurança as razões daquela incompreensão?

Estarão, em alternativa, nas actuais práticas da Medicina do Trabalho as principais razões daquela incompreensão?

 

Certo, certo é que, independentemente das respostas concretas a tantas questões, não podem existir empresas saudáveis e seguras sem trabalhadores saudáveis e seguros e tal não é possível alcançar sem a participação da Medicina do Trabalho. Apesar disso, talvez a busca de respostas às diversas questões colocadas possa contribuir muito para compreender a referida incompreensão da utilidade da Medicina do Trabalho e corrigir definitivamente práticas ainda existentes que deveriam, há muito, estar definitivamente abandonadas.  


Nota: Publicado inicialmente na plataforma Healthnews.

quarta-feira, 4 de maio de 2022

Em mais um Dia mundial da asma a sua potencial origem profissional não deve ser esquecida!



 Antonio Sousa-Uva

 

Anualmente, na primeira 3ª feira do mês de maio, celebra-se o dia mundial da asma, por iniciativa da GINA (Global Initiative for Asthma) da Organização Mundial da Saúde.

 

Desde meados dos anos de 1960 que a asma profissional vem adquirindo uma importância crescente em Patologia e Clínica do Trabalho, considerando-se como uma das doenças respiratórias profissionais mais frequentes em detrimento das doenças respiratórias provocadas por poeiras minerais até essa altura mais prevalentes.

 

A asma profissional coloca questões de ordem prática, não apenas aos imunoalergologistas, pneumologistas e médicos de família, principais responsáveis em matéria de diagnóstico e de terapêutica, mas também aos médicos do trabalho que exercem a sua actividade em contexto laboral. Nesse contexto, são responsáveis pelo desenvolvimento de planos e programas de prevenção muitas vezes centrados nas condições de trabalho e na actividade de trabalho, para além da avaliação da saúde dos trabalhadores.

 

Têm sido identificados inúmeros factores etiológicos, tendo nos anos de 1990 a Organização Mundial de Saúde referido que cerca de 100.000 substâncias químicas eram utilizadas na indústria, das quais mais de 3.000 possuíam propriedades irritantes e/ou alergénicas. Os agentes são diversos e variados em função, por exemplo, do sector de actividade económica ou da actividade profissional desempenhada.

 

A indústria têxtil, a indústria alimentar, a indústria da madeira e de mobiliário, a indústria química e farmacêutica, a indústria dos plásticos e detergentes e a agricultura e pecuária são sectores de actividade frequentemente associados a um número elevado de casos. Nos hospitais, inclusivamente, agentes como os aldeídos, o látex e os medicamentos podem ser responsáveis por casos de asma brônquica (e outras alergopatias) entre os profissionais de saúde.

 

O diagnóstico de asma profissional, que não difere do diagnóstico clínico dos outros casos de asma, faz-se essencialmente através da confirmação do seu quadro clínico e do estabelecimento de uma relação causal entre a asma diagnosticada e o ambiente de trabalho. Exigindo-se, consequentemente:


  • uma história clínica sugestiva de asma;
  • e a demonstração, muitas vezes, do início da asma após a exposição profissional e da sua associação entre asma e trabalho.


O estudo das condições de trabalho e da actividade são, por isso, imprescindíveis se existir uma hipótese diagnóstica de asma profissional, uma vez que tal permite a identificação (e até mesmo a quantificação) das substâncias eventualmente implicadas como agentes causais.

 

A manifestação clínica mais típica da asma profissional é a dificuldade respiratória relacionada com o exercício profissional que pode ocorrer logo que se inicia a exposição, por vezes uma ou mais horas depois, ou ainda sob a forma de um “quadro misto”, caracterizado pela combinação de uma reacção imediata com reacções mais ou menos tardias, por exemplo nocturnas no caso do trabalho diurno.


Nas situações profissionais com horário regular, as manifestações clínicas tendem a agravar-se ao longo da semana de trabalho e a melhorar durante o fim-de-semana. Todavia, este “perfil típico” não anula a possibilidade de aqueles sintomas não regredirem durante o fim-de-semana (ou qualquer outro curto período de afastamento do trabalho).


Para além do diagnóstico de asma, e da sua relação com o trabalho, a hipótese de diagnóstico de asma profissional deverá ser sempre considerada nos casos de asma iniciada (ou agravada) na idade adulta.

A história clínica e a história profissional são, por isso, os elementos-chave de diagnóstico. Claro que o recurso a estudos de função respiratória e a provas cutâneas, ou os diversos estudos imunoalergológicos, também contribuem para um diagnóstico rigoroso de asma profissional, assim como as provas de provocação brônquica.

 

A asma profissional coloca hoje importantes desafios que, para além dos aspectos teóricos, por vezes ainda mal conhecidos, encerram em si mesmo um vasto conjunto de entidades, diversas entre si, que determinam respostas necessariamente diferentes. Todavia existe um denominador comum à asma profissional, à asma “relacionada” com o trabalho e à asma agravada pelo trabalho que reside, essencialmente, na sua complexidade e na dificuldade prática em se ser eficaz na  sua prevenção (ou no seu tratamento).


Nota: Publicado inicialmente em Healthnews.