Antonio Sousa-Uva
Na próxima 2ª
feira celebra-se mais um dia dedicado às relações entre o trabalho e a
saúde/doença. Em alguns países, como é o exemplo do Brasil, esse dia, atribuído
ao nascimento do médico italiano Bernardino Ramazzini celebra, efectivamente, o
dia do médico do trabalho. Independentemente da maior ou menor correcção do dia
de nascimento desse médico italiano (1) atribui-se a
ele, no século XVII e início do século XVIII, a chamada de atenção para a
relação entre determinadas doenças e determinadas profissões.
A publicação do
livro sobre mais de cinquenta doenças dos trabalhadores (De Morbis Artificum Diatriba), em 1700, veio a determinar a
necessidade de incluir na anamnese de qualquer exame clínico questões
relacionadas com o trabalho. Algumas dessas doenças, como as lesões
musculoesqueléticas ligadas ao trabalho (LMELT), principalmente as relacionadas
com os gestos repetitivos foram descritas, por exemplo, em copistas, muitos
deles monges, que copiavam manuscritos, antes da
invenção da imprensa ou da tipografia.
Muitas outras doenças foram nesse livro descritas relacionadas, por
exemplo, com diversas profissões como os mineiros, os douradores, os vidreiros,
os padeiros ou os carpinteiros.
A chamada de atenção mais frequente daquelas relações entre o trabalho e
a saúde/doença esgota-se nos nossos dias, quase sempre, nos acidentes de
trabalho, principalmente os mortais que são por vezes notícia em telejornais,
ainda que raramente tipificados como tal. Ficam sempre encobertas as doenças
profissionais e outras doenças ligadas ao trabalho sempre muito pouco
valorizadas.
Apesar disso, se for perspectivada a referida mortalidade, bastará
recordar que só o cancro profissional ou o cancro em que os factores de risco
profissionais integram a respectiva matriz etiológica são responsáveis por
bastante mais óbitos do que os acidentes de trabalho mortais e julgo,
pessoalmente, nunca ter ouvido qualquer notícia a esse propósito.
Porque será que não se atribui qualquer importância às
doenças profissionais?
Bastará a evocação das doenças profissionais para a
sua prevenção?
A baixa atenção que lhes é prestada não se
relacionará, no essencial, com as grandes dificuldades no seu reconhecimento já
que se confundem com as doenças naturais?
Não faltará criar e divulgar conhecimento sobre as
doenças profissionais?
Teremos no nosso Sistema de Saúde dado suficiente
atenção e desenvolvido modelos organizacionais para as evitar?
De facto, só se previne o
que se conhece e poderá ser essa uma das explicações para a insuficiência
reiterada de informação e formação sobre as doenças profissionais (e outras
doenças ligadas ao trabalho) e a sua prevenção.
4 de outubro, independentemente do que está na sua origem ou da sua maior ou menor correcção, poderá ser mais uma oportunidade para, pelo menos, adquirir consciência que não faz qualquer sentido que se perca a vida a ganhá-la (2). Como se referiu o número de mortes por doença profissional (ou por outras doenças ligadas ao trabalho) é muito superior à dos acidentes de trabalho mortais e teimar em não o reconhecer é o primeiro passo para adiar a sua prevenção e, dessa forma, perpetuar a sua existência e apoucar os respectivos dispositivos de prevenção.
Será isso que queremos?
(1) Sociedade de Medicina del Trabajo de la
Provincia de Buenos Aires. Bernardino Ramazzini: Dissertacion acerca de las
enfermedades de los trabajadores. La Plata, 1987.
(2) Sousa-Uva A, Serranheira F.
Saúde, Doença e Trabalho: ganhar ou perder a vida a trabalhar? Lisboa: Diário
de Bordo, 2ª ed., 2019.
Nota: Publicado inicialmente no blog Safemed.