Antonio Sousa-Uva
As Listas de Doenças
Profissionais são um “instrumento” essencial para a reparação de danos
emergentes de doença profissional. Muitas dessas Listas, como é o caso da
Portuguesa, pela forma como estão organizadas, também podem contribuir para a
prevenção dessas doenças já que constituem uma importante fonte de informação
sobre factores de risco e riscos de natureza profissional e, algumas, listam
ainda outros aspectos, destacando-se os trabalhos susceptíveis de provocar
essas doenças. Essa sistematização de informação sobre doenças profissionais
pode ser, consequentemente, uma fonte de informação com indiscutível utilidade
para um melhor conhecimento de potenciais situações de risco de doença
profissional.
Em Portugal há muito que
existe uma Lista de Doenças Profissionais, organizada de uma forma semelhante à Lista Francesa, em que se inspirou (como também a Belga), com quase uma centena de
quadros e uma sistematização por factores de risco de natureza profissional e
órgãos ou sistemas atingidos. De forma remissiva ainda são, adicionalmente,
referenciados dois outros capítulos, para além dos cinco principais que a
compõem
Na União Europeia, em
contexto da Segurança Social, é muito frequente o recurso a Recomendações já
que, no essencial, tal opção não é tão “directiva” como nas questões económicas
e, dessa forma, preservam-se as escolhas nacionais feitas por cada Estado-membro.
No que diz respeito à Lista de Doenças Profissionais, a Recomendação 90/326/CEE
da Comissão, de 22 de maio de 1990, relativa à Lista Europeia de Doenças
Profissionais foi, no contexto sumariamente descrito, aprovada em 1990 e, posteriormente, actualizada em 2003.
Como já acontecia em
Portugal, o sistema misto de reconhecimento de doenças profissionais é, nessa
Recomendação, aconselhado e as recomendações nela contidas não só abrangem as
doenças constantes desse diploma no seu
anexo 1 mas, ainda, o desenvolvimento de sistemas de gestão de informação sobre
doenças profissionais bem como de investigação dessas mesmas doenças, com um
enfoque especial nas doenças constantes no seu anexo 2 e nas doenças ligadas a
factores de risco de natureza psicossocial ligadas ao trabalho. Recomenda ainda
um vasto conjunto de disposições tendentes a melhorar os sistemas de saúde no
que diz respeito ao diagnóstico e à prevenção das doenças profissionais.
Em junho de 2002 também foi
aprovada uma Recomendação da OIT, da Conferência Internacional do Trabalho,
sobre o mesmo tema, a Recomendação nº 194. Faz-se, nessa Recomendação, um apelo à integração nas Listas das Doenças
Profissionais de cada Estado de incorporar, na medida do possível, as doenças
profissionais constantes daquela Recomendação. Em 2010 essa Lista voltou a ser
revista e uma nova versão foi aprovada. Essa Lista da OIT está organizada por
agentes etiológicos (57 quadros, dos quais 41 causados por factores de risco de
natureza química, 7 por agentes físicos e 9 por agentes microbiológicos ou
parasitas) e por órgãos-alvo (mais 26 quadros, 12 de doenças respiratórias, 4
de doenças cutâneas, 8 de doenças músculo-esqueléticas e 2 de doenças mentais e
do comportamento). Existem ainda, mais dois capítulos adicionais, um sobre
cancro profissional (com 21 quadros) e um último denominado “outros” (com dois
quadros).
Independentemente de uma
reflexão que merece ser feita sobre as opções de sistematização das diversas
Listas de Doenças Profissionais e ainda pelas opções feitas em cada um dos
quadros, talvez o aspecto mais destacado da referida Recomendação seja a
inclusão, pela primeira vez, de um capítulo de “doenças mentais e do
comportamento” que não consta da actual Lista de Doenças Profissionais
Portuguesa e que, essencialmente, são tipificadas como “doenças relacionadas
com o trabalho” (na língua inglesa, work-related diseases) e não como
doenças profissionais e, menos ainda, como doenças profissionais “legais”.
Em Portugal, há praticamente
trinta anos que, com maior ou menor componente técnica ou científica, este tema
da revisão da Lista das Doenças Profissionais tem vindo a ser revisitado. Tal
é, de resto, consubstanciado na criação de diferentes Comissões (incluindo as
técnicas) de Revisão da Lista das Doenças Profissionais.
Dada a livre circulação de trabalhadores,
a existência de uma Lista Europeia de Doenças Profissionais (Directiva em vez
de Recomendação) poderia ou não contribuir para melhores e mais adequadas
políticas de Saúde e Segurança na União Europeia?
É desejável que, no mínimo,
se coloque essa possibilidade e se discuta se tal iniciativa não poderia
contribuir para a promoção da Saúde e Segurança dos Trabalhadores nos Locais de
Trabalho no espaço europeu, mais plausível depois do Brexit. Qualquer que seja
a decisão que, eventualmente, venha a ser tomada nesse contexto haveria, por
certo, maior equidade nos deveres e direitos dos trabalhadores e dos
empregadores no âmbito da sua livre circulação no espaço Europeu e um presumível
menor desequilíbrio entre as dimensões económica e social da nossa União. De
que estamos então à espera para reflectir sobre aquela possibilidade?
Nota: Baseado no artigo: Sousa-Uva A. Lista das Doenças Profissionais: será desejável actualizar? Segurança. 2021; 256: 21-25. Publicado inicialmente na plataforma Healthnews.