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sábado, 1 de abril de 2023

A violência contra os profissionais de saúde no Local de Trabalho é, de facto, um risco profissional.

 


Antonio Sousa-Uva 

 

Os factores de risco profissionais de natureza psicossocial têm vindo a adquirir uma importância crescente e  a ter uma maior visibilidade como causa de riscos profissionais, designadamente em profissionais de saúde, e associados a aspectos relacionados com as condições de trabalho ou com a actividade. Por exemplo, nos profissionais de saúde, em 2022, foram registados na plataforma da Direcção-Geral da Saúde (DGS) quase o dobro dos episódios de violência (relativos quer a 2020, quer a 2021) a que médico(a)s, enfermeiro(a)s e outros profissionais de saúde podem ser vítimas.

 

Estarão, de facto, a aumentar esses casos ou esses episódios continuam a aumentar devido ao aumento da sua notificação?

 

Os factores de risco profissionais estão, essencialmente, relacionados com a actividade de trabalho inerente à prática profissional e menos com as condições (ou condicionantes) de trabalho. Um nosso recente estudo num grande hospital em Lisboa, observacional e transversal, revelou uma insuficiência de respostas organizacionais adequadas num contexto de livre acesso a zonas de trabalho e ainda a uma insuficiente protecção por agentes de segurança. Tais condicionantes, diga-se em abono da verdade, têm melhorado nos últimos anos, assim como a formação e informação dos profissionais de saúde sobre atitudes e comportamentos a adoptar tem vindo a ser realizada.


Aparentemente, a pouca familiaridade com os procedimentos internos de notificação então identificada (anterior a 2020) foi caracterizada como área carenciada de melhoria, bem como a pouca expressividade das estratégias intervencionistas direcionadas a incrementar essas melhorias. Daí para cá tais aspectos têm vindo a ser melhorados.


O Observatório Nacional da Violência Contra os Profissionais de Saúde no Local de Trabalho, desenvolvido pela DGS, há poucos anos, com o objetivo de disponibilizar um sistema de notificação online dos episódios de violência, bem como a divulgação de documentação e instrumentos de referência e a partilha de boas práticas tem sido, por certo, muito útil. Adicionalmente, tem contribuido, por certo, para uma maior visibilidade e para a discussão pública de acontecimentos que, qualquer que seja a perspectiva, são totalmente reprováveis e dificilmente encontrarão qualquer explicação que possa tornar tolerável o que, de facto, é totalmente  inaceitável.

 

Apesar disso, estaremos a fazer o suficiente nesse domínio?

 

Será suficiente o pouco que se tem feito na população em geral para melhorar a gestão desse risco?

 

Serão suficientes os elementos potenciadores de sinais de alerta nessas circunstâncias e o aumento da componente intimidatória da intervenção repressiva potencial?


Será suficiente a componente observacional desses episódios?

 

Esses riscos profissionais terão a gestão que o aumento referido deveria determinar?

 

Não se deveriam potenciar as medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual?

 

É que factores de risco, como por exemplo a acessibilidade ou o tempo para atendimento, aumentam, sem quaisquer dúvidas, esse risco, e alguma intervenção também a esse nível poderia, provavelmente, aumentar a eficácia das medidas de protecção individual baseadas na formação e informação desses profissionais. É bom recordar que as medidas de protecção colectiva devem ser sistematicamente preferidas relativamente às medidas de protecção individual.

 

Bibliografia


Nota: Publicado inicialmente na revista Healthnews - jornalismo de saúde.

60 anos de ensino pós-graduado da Medicina do Trabalho! Haverá quem duvide da sua importância e utilidade?



                                                                                     Antonio Sousa-Uva


Faz este ano sessenta anos que, devido à legislação de 1962 sobre a prevenção da silicose, se inicia, no então Instituto de Higiene Dr. Ricardo Jorge, o ensino da Medicina do Trabalho, como especialização do Curso de Medicina Sanitária. Pretendia-se então dar resposta ao que a lei passou  a determinar: uma formação específica nessa área científica para os médicos que exerceriam a Medicina do Trabalho. Três anos depois, com a criação da Escola Nacional de Saúde Pública, que nem sempre teve essa designação que é a actual, transita daquele Instituto e é, nessa data, criada a cadeira de Higiene e Medicina do Trabalho, abrangendo diversas subáreas científicas que, no essencial, ainda hoje se mantêm actuais.


De facto, em 1966 é criada a Escola Nacional de Saúde Pública e de Medicina Tropical, transitando o referido Curso de Medicina do Trabalho para essa instituição, curso que ainda hoje se mantém a caminho da sua septuagésima edição e de muitas mais, assim se espera. Constituía então habilitação necessária para o exercício dessa actividade e foi um dos poucos critérios para admissão por consenso ao Colégio de Especialistas, aquando da criação dessa especialidade na Ordem dos Médicos (em 1979).


Ainda hoje se mantém (com um determinado número de horas lectivas) no programa de formação dessa especialidade, formação também reconhecida a outras duas instituições que o organizam, o que ocorre desde final dos anos de 1980 e início dos anos se 1990.


Quais serão as razões da legislação, nascida nos anos de 1960, ter determinado essa necessidade?

Ter-se-ão modificado substancialmente as condições que levaram à sua inclusão para aceder à avaliação para obtenção do título de especialista?

Quais serão as razões da necessidade de uma formação teórica e teórico-prática no respectivo plano de formação dos médicos do trabalho?

Farão algum sentido potenciais referências à sua eventual dispensabilidade ou cessação da obrigatoriedade?

Será que há quem acredite que essa obrigatoriedade não tem qualquer utilidade? E em caso afirmativo o que poderá estar na origem dessas convicções?

Será útil a audição de Sociedades Científicas e de Instituições Universitárias nestas matérias ou considera-se isso supérfluo? Existirá vontade de ouvir quem de facto criou e divulgou conhecimento nessa área científica e no exercício dessa actividade?

Porque será que as práticas da Medicina do Trabalho num grande número de países mantém a necessidade de existência de uma formação específica?

Ganharão alguma coisa os médicos do trabalho com essa formação?


Talvez ainda seja útil reflectir nestas e em outras questões se o objectivo for a contribuição para que os trabalhadores não adoeçam ou percam a vida a ganhá-la o que, de facto, justifica a existência da nossa especialidade, em vez de outros interesses mais afastados desse "core business". Ou não será assim?