Antonio Sousa-Uva
Ao longo dos
tempos, o modo como a Medicina tem abordado os problemas de saúde dos doentes tem
sofrido alterações marcadas, de acordo com a evolução dos paradigmas da saúde/doença
e as várias alterações sociais, políticas e institucionais, inclusive no plano
legislativo. Assim, se em meados do século XIX a Medicina obedecia a um modelo biomédico-sanitário
e, após a 2.ª Guerra Mundial, a um modelo médico-social ou biopsicossocial,
desde os anos de 1970 até à atualidade os profissionais têm-se regido por um modelo
mais comunitário, que se pretende também mais abrangente, transversal e
complexo, encarando a saúde muito para além dos aspectos relativos à componente
física de cada indivíduo doente.
A abordagem da
saúde para além da «ausência de doença», envolvendo a componente médica
integrada com outros aspectos, designadamente sociais e ocupacionais, permite ganhos
para o sistema de saúde, adaptando-se ao contexto atual da evolução daqueles
paradigmas de saúde. No entanto, a implementação e a operacionalização destes
conceitos apresenta dificuldades, devido à insuficiência de metodologias e
instrumentos face a outros modelos de natureza mais quantitativa e objetiva.
No contexto da
saúde respiratória, a realidade portuguesa apresenta um défice importante na
sua promoção, designadamente no que se refere à intervenção nas fases iniciais
da doença, localizando-se o foco de atenção mais na resolução das complicações
e em questões relacionadas com prestação de cuidados como, por exemplo, a acessibilidade
às consultas e aos tratamentos.
A
sustentabilidade das medidas implementadas no contexto dos sistemas de saúde na
área da prevenção, designadamente no âmbito da saúde respiratória, deveria,
porém, ser muito mais privilegiada. Assinale-se o importante esforço na
prevenção dos hábitos tabágicos da última década e o não tão grande esforço na
prevenção das doenças respiratórias profissionais.
Por exemplo, o
apoio ao trabalhador na cessação tabágica no contexto da Saúde Ocupacional e da
Medicina do Trabalho ainda não foi estabelecido, pelas organizações, como um aspeto
prioritário no contexto da abordagem da saúde e segurança dos seus
trabalhadores. Note-se que em relação aos hábitos de consumo de bebidas
alcoólicas e de outras substâncias aditivas a atenção prestada é um pouco
maior, ainda que também insuficiente.
Em Portugal,
os indicadores de mortalidade por doenças cardiovasculares ou o cancro
“escondem” as doenças respiratórias, assim como no contexto do trabalho na
última década, as doenças respiratórias foram “esmagadas” pelas lesões
músculo-esqueléticas ligadas ao trabalho. No entanto, as doenças respiratórias têm
uma importância incontornável, seguramente superior à que lhe é conferida no
planeamento das ações que objetivam a sua prevenção.
Quer o sector
público quer o sector privado, em todos os campos de atividade económica, têm
um amplo e aberto espaço de actuação no contexto da saúde respiratória,
designadamente pela implementação de políticas de prevenção e de promoção da
saúde, valorizando a prestação de cuidados enquanto serviço ou produto, sujeito
às normas de avaliação de custo/utilidade, de acordo com os princípios
económicos aplicados ao sector da saúde.
Os locais de
trabalho são locais privilegiados para tal tipo de políticas, quer em aspetos
dos hábitos de vida dos trabalhadores, quer na prevenção do risco de doença
respiratória “ligada” ao trabalho. É que um doente saudável do seu aparelho
respiratório torna por certo mais saudável a organização onde trabalha, uma vez
que é um dos seus ativos mais valiosos.
Nota: Modificado de uma versão publicada, inicialmente, no blog Safemed.