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segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Riscos profissionais psicossociais: ainda a violência sobre os profissionais de saúde

 


Antonio Sousa-Uva

 

Em 2022 e até ao final do primeiro semestre de 2023 foram denunciadas criminalmente mais de três centenas de ocorrências de violência sobre profissionais de saúde e abriram-se quase meio milhar de processos por acidente de (ou em) serviço. Tal conhecimento resulta da implementação de medidas de observação e de notificação de ocorrências existente há algum tempo que revelam um número bem superior dessas situações.

 

A recente (de há poucos dias) ratificação portuguesa da Convenção n.º 190 sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho, adotada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, na sua 108.ª Sessão, realizada em Genebra, a 21 de junho de 2019 vem reforçar, ainda de forma mais vincada, a necessidade de incrementar medidas de prevenção e de protecção da saúde dos profissionais de saúde que se situem muito para além de um observatório (já existente na Direcção Geral da Saúde) que apenas “descreve” o que vai sucedendo (o que já não é pouco, diga-se em abono da verdade).

 

A expressão «violência e assédio» no mundo do trabalho refere-se a um conjunto de comportamentos e de práticas inaceitáveis, ou de ameaças de tais comportamentos e práticas, que ocorram numa só ocasião ou de maneira repetida e que estão mais relacionadas com a actividade de trabalho do que com as condições em que essa actividade se exerce. São, por isso, um “híbrido” de factores (profissionais) de risco psicossociais e de factores relacionados com a actividade (que não são, por isso, sinónimo de factores de risco de patologia musculoesquelética como muitas vezes se vê referido).

 

A supracitada ratificação reforça, portanto, os aspectos da violência e do assédio, e os riscos psicossociais associados, na gestão da saúde (e da segurança) do trabalho e a necessidade de promover a consulta dos trabalhadores e dos seus representantes na definição de políticas sobre a violência e o assédio do local de trabalho. Tal situa-se, portanto, bem para além da simples (mas indispensável) “observação” do fenómeno e da disponibilização aos trabalhadores, e a outras pessoas interessadas, de informação e formação sobre esses riscos.

 

Desde logo, necessita de recursos, não exclusivamente, organizacionais, competentes e adequados à realidade concreta identificada por notificação de casos e observação sistemática que determinem se não a sua erradicação, pelo menos a sua redução o mais pronunciada que as respectivas políticas (também de cada organização) possam determinar.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Saúde e Trabalho: riscos profissionais de natureza (micro)biológica

 



Antonio Sousa-Uva


Os factores de risco (micro)biológicos são, há muito, reconhecidos como agentes causais de doenças profissionais, tendo a Hepatite B sido reconhecida como doença profissional nos EUA em 1948. Em Portugal, apesar do reconhecimento ter sido ligeiramente posterior, a Hepatite B também é, há muito, considerada doença profissional em determinados casos como, por exemplo, nos profissionais de saúde prestadores de cuidados clínicos.

A identificação do vírus de imunodeficiência humana (VIH) no início da década de 1980 veio, de forma indelével, reforçar a importância dos factores de risco de natureza biológica e, de uma forma muito marcada, na prestação de cuidados de saúde. Deve-se, no entanto, referir que antes da descoberta do vírus de imunodeficiência humana (VIH) já eram conhecidos diversos casos de exposição a agentes de natureza biológica, não apenas do vírus da Hepatite B.

De facto, e apenas a título de exemplo, a Ricketsiose, designação atribuída a determinadas patologias provocadas por diversas ricketsias, está associada a uma forma de homenagem ao investigador que identificou o agente e que veio a contrair a doença no decurso da sua investigação. Historicamente existem muitos outros exemplos da atribuição a microrganismos do nome de investigadores que os estudaram e que, profissionalmente, contraíram a doença como é, por exemplo, o caso de Yohn Everett Dutton (borrélia duttoni).

Apesar desse conhecimento, os riscos biológicos são muitas vezes designados como emergentes, na perspectiva de serem novos, apesar do que, de facto, é novo é, essencialmente, a percepção desses riscos. Em Portugal, por exemplo, poderíamos referir verdadeiros casos de doença profissional em Câmara Pestana (peste bubónica) ou Sousa Martins (tuberculose), ainda que nunca como tal referidos.

A referência à contaminação por agentes biológicos, historicamente, é feita quase exclusivamente, através da via percutânea e, menos, da transmissão por projeção de líquidos biológicos na pele ou nas mucosas. Essa transmissão pode, porém, ocorrer por via aérea, via de transmissão que vem adquirindo uma importância cada vez maior, por exemplo em relação ao risco de tuberculose em médico(a)s e enfermeiro(a)s (e outros técnicos de saúde) e, designadamente, das suas formas multirresistentes.

A exposição a factores de risco biológicos sucede, essencialmente, em duas situações: o uso de agentes biológicos no “processo produtivo” e a exposição potencial, como é o caso dos profissionais de saúde ou dos agricultores.

Recentemente, a pandemia provocada pelo coronavírus SARS-Cov2 veio, de forma muito marcada, revelar mais uma doença profissional causada por agentes (micro)biológicos, a COVID-19, em determinadas situações e em, igualmente, determinados grupos profissionais. A grande novidade foi, contudo, a extrema rapidez desse reconhecimento, ao contrário dos casos anteriormente elencados. 

Apesar de tudo vai havendo algumas "vitórias", como a que se passou em relação à referida infecção por SARS-CoV-2, num profundo marasmo na atenção dada a estas matérias. Tal faz supor que se a maioria dos salários dos trabalhadores fosse mais próximo do salário do futebolista profissional Cristiano Ronaldo, talvez a atenção prestada à saúde (e segurança) pudesse ser bastante diferente da actual, já que um continuum de situações pandémicas não é, obviamente, tão desejável ...