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sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

A Saúde (e Segurança) Ocupacional(ais) e a policromia de livros

 

 


Antonio Sousa-Uva 

Um recente despacho de julho passado vem criar (para mim) outra comissão para a elaboração de um (outro) Livro Verde da Segurança e Saúde no Trabalho (SST) que, entre os seus objectivos, pretende estimular e promover o debate público sobre esse tema. Tal abrange os parceiros sociais, as entidades da sociedade civil, as universidades, os centros de investigação e outras entidades ou personalidades consideradas de relevo, isto é, todos (já que não há ninguém irrelevante), quer individual, quer coletivamente.

 

Há cerca de 30 anos, na esteira da publicação da Diretiva-quadro sobre SST e toda a legislação portuguesa dela decorrente já me confrontei, com outro livro verde, e até um livro branco, e confesso que, na altura, fui da opinião que não teria sido mau termos tido acesso também a um livro amarelo que pudesse coletar outras opiniões sobre o “estado da arte” da saúde (e a segurança) de quem trabalha, através da coletânea mais ampla de opiniões de quem a isso se dedica.

 

Pelo conteúdo do despacho parece depreender-se que o estímulo que esteve na sua origem se relaciona com o futuro da SST em função da “revolução” que já ocorre (e que se prevê que proximamente se venha a acentuar muito) no mundo do trabalho, decorrente da atual (e futura) evolução tecnológica e organizacional.

 

Entre os cerca de dez “considerandos”, talvez o mais “suis generis” tenha sido o que aborda a antecipação e gestão da mudança dos locais de trabalho no âmbito das alterações climáticas, traduzidas em condições meteorológicas extremas como secas, inundações, tempestades, ondas de calor e exposição aos raios UV e a prevenção de acidentes de trabalho e de doenças profissionais. E mais ainda a sua influência, com outros aspetos, na valorização da SST como uma prioridade a nível europeu e internacional.

 

Note-se que, por exemplo, o teletrabalho (decorrente da recente experiência pandémica e da referida evolução tecnológica) e a “uberização” não parecem, aparentemente, ter a mesma notoriedade considerativa a jusante daquela decisão ou, tendo, não parecem ter mobilizado suficiente atenção para ter semelhante importância nos considerandos.


Alternativamente, o contrário do “trabalho dá saúde” (“o trabalho mata”) é chamado à colação, ainda que sem o necessário enfoque nas doenças relacionadas com o trabalho que há muito se sabe serem mais protagonistas que os acidentes de trabalho, ainda que a correspondente atenção seja, quase sempre, muito “diluída” ou mesmo” esquecida” devido à intrusão emocional do dramatismo de um acidente de trabalho mortal.  


Com ou sem (melhores ou piores) considerandos oxalá o resultado desta iniciativa possa ser mais valorizado no futuro da Saúde (e Segurança) Ocupacional(ais) do que anteriores iniciativas, mais ou menos policromáticas, e se valorize mais trabalhadores saudáveis e seguros do que locais de trabalho saudáveis e seguros, necessários, mas insuficientes para que tal seja possível. Os aspectos psicossociais são disso um bom exemplo. Espera-se ainda que os ciclos políticos não determinem uma acromia do livro.


Nota: Também publicado na plataforma Healthnews

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Médico do Trabalho ou Médico de Saúde Ocupacional?



Antonio Sousa-Uva

 

Recentemente entendi consultar, numa das minhas redes sociais, os dados referentes às profissões dos leitores das "crónicas técnicas" que venho escrevendo há uns anos e que são quase sempre disponibilizadas também no meu Blog sobre "Medicina do Trabalho e Saúde Ocupacional em migalhas". Constatei que, com grande avanço em relação a outros profissionais, quem as lê mais são os "Médicos de Saúde Ocupacional", aparecendo em segundo lugar, com menos de um terço dos primeiros, os "Médicos".

Tenho vindo a refletir, amplamente, sobre esse tema a que, de resto já anteriormente me referi numa anterior "migalha", a propósito de uma notícia sobre "amamentação e Medicina do Trabalho" num grande Hospital da Região Norte em que se refere também, na notícia, o "Médico de Saúde Ocupacional".

Tal referência, como se mencionou, é, portanto, mesmo da iniciativa dos próprios, e é algo insólita já que há muito, e concretamente há mais de sessenta anos (desde 1962: Decreto 44.537, de 22 de agosto de 1962), essa alusão é feita a “Médico do Trabalho”, independentemente de ser a melhor ou a pior denominação. Posteriormente, toda a legislação desta área se refere sempre ao “Médico do Trabalho”, sendo essa especialidade médica reconhecida pela Ordem dos Médicos desde 1979 (há quase meio século) com a designação "Medicina do Trabalho" (como de resto em França, "Médecine du Travail" ) e não "Medicina de Saúde Ocupacional" (ou "Médecine de Santé au Travail", ainda em França e em outros países francófonos). 

Porque será então que, mesmo em abordagens técnicas, e até por iniciativa dos próprios, se usam indiscriminadamente: médico de Medicina Ocupacional, médico de empresa, médico do trabalho ou, por exemplo, médico de Saúde Ocupacional?

Note-se que ao Psiquiatra não se chama médico de Saúde Mental, ao Obstetra, médico de Saúde Materna ou, por exemplo, ao Pediatra, médico de Saúde Infantil. Porque sucederá o contrário na Medicina do Trabalho?

Talvez a resposta se possa situar na designação dos médicos que exercem Medicina numa área específica a que os anglo-saxónicos denominam "Medicina Social".  Note-se, por exemplo, que é muito comum a referência a "Médico de Saúde Pública" (como de resto em França e outros países francófonos, "Médecin de Santé Publique"). Contrariamente, noutra área da Medicina Social, a Medicina Legal, a referência é feita a “médico legista”, mas, apesar disso, também a "Médico de Medicina Legal".

Será bom recordar que a pluri e a transdisciplinaridade é comum a todas estas áreas técnico-científicas, inclusivamente nas já referidas anteriormente. Claro que tal é mais marcado na denominada Medicina Social do que na Medicina “clínica”, pela sua própria natureza sociológica.

Qual(ais) será(ão) a(s) razão(ões), então, para até os próprios parecerem, aparentemente, preferir aquela designação?

Parece, de resto, suceder o mesmo na área da Enfermagem (Enfermagem de Saúde Ocupacional vs. Enfermagem do Trabalho) ou, por exemplo, na Psicologia (Psicologia da Saúde Ocupacional vs. Psicologia do Trabalho). Refira-se que neste último exemplo poderá fazer sentido essa opção no sentido da sua diferenciação com a Psicologia do Trabalho e das Organizações.

Qualquer que seja a opção seria, ou não, desejável que essa designação fosse sempre a mesma?

Quero crer que uma especialidade médica muito incompreendida por todos, como é o exemplo paradigmático da Medicina do Trabalho, até no meio médico, ganharia muito na definição nítida da sua designação e da sua missão! Caso contrário seria desejável a mudança da denominação dessa especialidade para Saúde Ocupacional, certo? Será isso que se pretende?

A manutenção da denominação “Medicina do Trabalho” (e, por isso, de “Médico do Trabalho”) parece, pois, desejável já que reduz à sua menor expressão possível mais um factor potencial de confundimento, o que não parece ser positivo para a nossa especialidade. Caso contrário, repito, é preferível mudar o nome da especialidade! certo?


Note: Publicado inicialmente na plataforma Healthnews.