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sábado, 11 de maio de 2024

Ainda os acidentes de trabalho mortais ...

 


Antonio Sousa-Uva


Neste dia 6 de maio de 2024 mais um acidente de trabalho mortal, desta vez na Murtosa e numa árvore. Para quem associa os acidentes de trabalho mortais só à Construção Civil mais um triste exemplo que tal nem sempre acontece apenas nesse sector de actividade económica.

Julgo que o infortúnio (ou falta de sorte) ou mesmo mais esta "disgrazia" se situa mais na leviandade de não respeitar as mais elementares normas de segurança e não apenas no trágico de mais uma morte evitável. E a esse propósito:


Quantas mais mortes serão necessárias para que qualquer trabalho em altura seja executado no respeito pelas normas de segurança que reduzam esse risco tendencialmente a zero?

Para quando a obrigatoriedade de uma formação específica obrigatória prévia a esses trabalhadores?

Fazemos tudo o que deve ser feito em matéria de prevenção dos acidentes de trabalho, designadamente no trabalho em altura?

As normas e regras da Saúde e Segurança do Trabalho são respeitadas nesse domínio? e suficientemente auditadas?

Será suficiente, a diversos níveis, o controlo da aplicação das normas e regras?

Existirá uma robusta cultura de saúde e segurança do trabalho nas nossas empresas e outras organizações onde esses trabalhos se realizam?

A comunicação de risco e a formação dos trabalhadores nesse domínio serão realizadas de forma sistemática e com grande empenho dos empregadores? 

Será aceitável "suportar" as mortes totalmente evitáveis decorrentes do "desenrasca", essa sim, cultura mais frequente?

 

Poderiam colocar-se muitas outras questões em relação à ocorrência destes dramáticos acontecimentos, mas o propósito de mais esta reflexão e lembrança das questões colocadas é somente mais uma tentativa de promover mais “massa crítica” nesse domínio. É que, pelo menos para mim, acho que podíamos fazer bem mais do que fazemos e, mais ainda, o nosso empenho deveria ser bem mais "agressivo".

Lisboa, 6 de maio de 2024


Nota: Modificado a partir de uma publicação anterior na plataforma Healthnews.


quarta-feira, 1 de maio de 2024

Ainda a Asma Profissional!

 


Antonio Sousa-Uva


Mais uma primeira 3ª feira do mês de maio e mais uma celebração do dia mundial da asma (por iniciativa da GINA - Global Initiative for Asthma) da Organização Mundial da Saúde. Também mais uma referência à asma profissional


A asma profissional coloca questões de ordem prática, não apenas aos imunoalergologistas, pneumologistas e médicos de família, principais responsáveis em matéria de diagnóstico e de terapêutica, mas também aos médicos do trabalho, menos referidos, que exercem a sua actividade em contexto laboral. 


A indústria têxtil, a prestação de cuidados de saúde, a indústria alimentar, a indústria da madeira e de mobiliário, a indústria química e farmacêutica, a indústria dos plásticos e detergentes e a agricultura e pecuária são sectores de actividade que devem ser tidos em conta numa asma de um adulto. 


O diagnóstico de asma profissional, que não difere do diagnóstico clínico dos outros casos de asma, faz-se essencialmente através da confirmação do seu quadro clínico e do estabelecimento de uma relação causal entre a asma diagnosticada e o ambiente de trabalho. Exigindo-se, consequentemente, para além da história clínica sugestiva de asma, a demonstração da relação com a exposição profissional. Adicionalmente, deverá sempre pensar-se na possibilidade da sua etiologia em diagnósticos de asma iniciados (ou agravados) na idade adulta.


A história clínica e a história profissional são, por isso, os elementos-chave de diagnóstico. 



Mais um dia mundial SST!

 



Antonio Sousa-Uva


Em 28 de abril celebra-se o dia mundial da Segurança e Saúde no Trabalho como acontece há muito. Repetem-se, sempre, diversas iniciativas com o propósito de dar maior visibilidade aos aspectos da protecção da saúde (e segurança) de quem trabalha.


As mensagens serão, igualmente como sucede há anos, muito semelhantes às dos anos anteriores e serão focadas, igualmente e por certo, nos aspectos essencialmente relacionados com a prevenção e, fundamentalmente, dos acidentes de trabalho mas também, quero crer, um pouco das doenças profissionais, ainda que raramente ultrapassando o simples enunciado dessa necessidade. Apesar de tudo, ainda podia ser pior!


Claro que a "moda" das alterações climáticas dá à comemoração uma certa "modernidade" valorizada em meio europeu, ainda que, por exemplo, a "uberização" (já com muitos anos) e o teletrabalho (com menos anos) nos coloquem, por certo, mais dúvidas relativamente a potenciais riscos profissionais. Tal, todavia, não parece merecer tanta valorização como as consequências das alterações climáticas, note-se, como risco profissional. Tal não terá por certo nada a ver com os modelos teóricos que estão na origem dos acidentes de trabalho ou das doenças profissionais ou essa relação poderá ser considerada?


Continuará, por certo, a pouco se falar, julgo, das mais prevalentes interacções do trabalho na matriz etiológica multifactorial de diversas doenças e menos ainda do potencial agravamento de doenças naturais por factores de risco profissionais. Mesmo dando mais ênfase aos factores profissionais psicossociais e respectivos riscos, essas interacções serão, por certo, insuficientemente valorizadas, e menos ainda o serão, outras "dimensões" que permanecerão "ocultas", aguardando outro "pontapé de saída" das instituições europeias.


Também o potencial papel promotor da saúde que o trabalho poderia proporcionar fica, como sempre, num plano secundário, ofuscado pela prevenção dos riscos profissionais ou, pior ainda, confundido com a promoção da saúde e segurança do trabalho, mas isso não estará na moda. É o que temos! Resta-nos a alegria de continuarmos a focarmo-nos mais nos trabalhadores do que nos prestadores (ou, até mesmo, nos prescritores ...). E, apesar de tudo, é isso que, realmente, interessa!


Para o ano, haverá mais e, esperemos, melhor! E ainda há quem diga que o trabalho dá saúde ... que se complementa com o "então que trabalhem os doentes". Não estará na origem dessa afirmação alguma iliteracia nessas matérias? 


28 de abril de 2024


domingo, 7 de abril de 2024

Dia mundial da saúde: My Health, my Right



Antonio Sousa-Uva


Mais uma comemoração de um “Dia Mundial da Saúde”, este ano evocando o Direito à Saúde. A esse propósito:


  • Os preceitos constitucionais, nesses âmbito, estarão a ser cumpridos?
  • Poder-se-á falar em “Direito à Saúde” num contexto de crise, até no acesso à prestação de cuidados?
  • Apenas as leis da oferta e da procura promoverão, por exemplo, as respostas em Saúde Pública  ou a literacia em saúde?
  • Serão suficientes os resultados das actuais políticas públicas para que haja Direito à Saúde?
  • Ou, em alternativa, serão necessárias novas políticas públicas de saúde?


O “empoderamento” em saúde, componente essencial do Direito à Saúde, exige para além de novas políticas de saúde, uma maior literacia que não se esgota na informação sobre as doenças crónicas mais prevalentes (e nos aspectos gerais da sua prevenção). Também não se esgota na atribuição de vauchers para acesso à prestação de cuidados. Ou esgota-se?


A reflexão que tais formas de comemoração pretendem promover são excelentes oportunidades para que todos, e cada um de nós, possam valorizar mais a saúde e não apenas a (ausência de) doença. Para que tal aconteça é preciso investir muito em Literacia e não apenas em prestação de cuidados, e menos ainda apenas na acessibilidade, por forma a robustecer o Direito à Saúde.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Saúde/Doença: Literacia em saúde/Literacia em doença



Antonio Sousa-Uva

Há já demasiados anos que o diagnóstico da necessidade de aumentar a literacia em saúde em Portugal (e na Europa) se encontra realizado. Feito esse diagnóstico há, obviamente, que aplicar a terapêutica que, como qualquer outro diagnóstico realizado em situações complexas, requer obrigatoriamente abordagens, preferivelmente, mais transdisciplinares que multidisciplinares.

  • ...............................................................................
  • Será para isso apenas necessário a aquisição de informação sobre as doenças e, muitas vezes, "fatiada" por especialidades médicas?
  • Esgotar-se-á essa capacidade na prevenção das doenças, com enfoque naquelas com perfil crónico da sua evolução?
  • Esgotar-se-á essa capacidade numa melhor acessibilidade aos prestadores de cuidados e não exclusivamente aos cuidados urgentes ou emergentes?
  • Será a saúde apenas a ausência de doença, para além da evocação da definição de todos conhecida?
  • Poderá reduzir-se o "empoderamento" dos cidadãos em saúde apenas à informação em saúde? 
  • A autonomia nas escolhas terá a importância que deveria ter? ou o "empoderamento" esgota-se na capacitação?
  • O conforto e o bem-estar farão parte do conceito de saúde? em caso afirmativo, serão dados a esses aspectos suficiente importância?
  • Será suficiente apenas o empenho em rastreios, perspectivando o diagnóstico precoce?
  • A saúde não exigirá um forte acréscimo não só de informação mas de competências sociais, para além das cognitivas?
  • ..............................................................................

A promoção (e, mais ainda, a manutenção) de uma boa saúde deve exigir, acima de tudo, uma enorme responsabilidade individual, e também colectiva, de assumir escolhas responsáveis. Tais escolhas não se esgotam na aquisição de informação sobre as doenças mas, outrossim, na aquisição de um conjunto de competências cognitivas e sociais que possam incrementar a capacidade das pessoas não só ganharem acesso mas, acima de tudo, compreenderem e usarem essa informação, de forma autónoma e responsável. 

E a componente mais positiva da saúde? Será que o bem-estar não contribui para a saúde? A literacia em doença será sinónimo de literacia em saúde? O tempo vai passando mas a abordagem mais frequente nos aspectos da literacia continua a centrar-se na, anteriormente, denominada "educação para a saúde" e, mesmo assim reiteradamente baseada na informação sobre algumas doenças crónicas, mais associadas à sua importante morbilidade e mortalidade.

De facto, a capacidade para tomar decisões em saúde, fundamentadas e também no (e do) local de trabalho como já antes foi por nós abordado, pode proporcionar um acréscimo do relativo controlo que todos podemos adquirir em saúde e, mais ainda, o aumento da capacidade para a procura de opções e escolhas que todos podemos fazer. 


Bibliografia

  • Sousa-Uva A. Literacia em Saúde Ocupacional: necessidade ou exigência na prevenção dos riscos profissionais e na promoção da saúde no trabalho? Healthnews, 2021. Disponível em https://perderavidaaganha-la.blogspot.com/2021/08/literacia-em-saude-ocupacional.html.

terça-feira, 5 de março de 2024

(alguns) Desafios do teletrabalho na perspectiva da Saúde (e Segurança) Ocupacional(ais)

 



Antonio Sousa-Uva


A designação “teletrabalho” remonta, talvez, aos anos de 1970 e significa, como muitas outras variantes dessa denominação, no essencial, o trabalho à distância realizado num local não predeterminado pela entidade empregadora. Daí também a designação de “trabalho remoto”, frequentemente realizado no domicílio do trabalhador (trabalho em casa ou “home work”). A generalização da utilização de meios e tecnologias da informação e, designadamente, de plataformas específicas, só no final da década de 1990, veio de facto a dar-lhe mais visibilidade, ainda que essencialmente confinada a certas actividades profissionais e a certos sectores de actividade económica.


Apesar disso, o número de trabalhadores nessa modalidade de trabalho sempre foi muito pouco expressivo, e muitas vezes mesmo com um perfil híbrido, abrangendo valores muito inferiores a 5% dos trabalhadores (e na sua expressão de exercício permanente, valores até inferiores a 1%) e com uma importante variabilidade entre a América do Norte e a Europa (também com grande variabilidade interna).


Em Portugal esses valores eram ainda menos expressivos e confinados a determinadas actividades profissionais, abrangendo praticamente apenas trabalhadores “white colar”, ainda que no passado algum “trabalho à peça” já adoptasse essa modalidade na indústria cerâmica e no calçado. Esse regime abrangeu, por exemplo, uma minoria de trabalhadores do ensino, da comunicação, da informática e do sector financeiro.


A pandemia, por razões óbvias, revolucionou a realidade sumariamente descrita e essa nova situação veio a colocar aquela modalidade de trabalho na agenda pós-pandemia. Tal (nova) realidade tem colocado, todavia, inúmeras questões, entre as quais se referem as seguintes:


Existirá uma correlação positiva entre essa modalidade de trabalho e a saúde dos trabalhadores?


O aumento do tempo de trabalho que se associa a essa modalidade poderá causar mais fadiga, mais alterações do sono ou mais alterações da saúde mental como o stress ou a ansiedade?


Os teletrabalhadores, com o aumento de autonomia no trabalho que o teletrabalho proporciona, potenciam (ou promovem) a sua saúde?


O “on/off” do trabalho/não-trabalho mais frequente no teletrabalho poderá repercutir-se na saúde do teletrabalhador?


Os modelos teóricos de doença profissional e de acidente de trabalho actualmente existentes serão adequados para compreender essa nova (tele)realidade?


Nos aspectos específicos do Direito do Trabalho, por exemplo no campo concreto da reparação de danos, que novos desafios se colocam aos teletrabalhadores?


Estaremos a dar a necessária atenção, e a desenvolver a necessária regulação, em matéria de interdependências entre o trabalho e saúde, a tal modalidade de trabalho, actualmente bem mais prevalente que no período pré-pandémico?


Os actuais modelos de prevenção dos riscos profissionais, nessa modalidade de trabalho, servirão para alguma coisa?


Serão os novos locais de teletrabalho adequados a essa função?


Uma sala de estar ou uma cozinha, já que raras casas têm escritório, e o respectivo mobiliário servirão para essa nova função? 


Uma coisa parece certa, as dúvidas das inter-relações e interdependências entre essa modalidade de trabalho e a saúde (e segurança) são em muito maior número que no trabalho tradicional, onde, note-se, já eram muito frequentes. E, tudo leva a crer, os factores de risco relacionados com a actividade (“ergonómicos” para alguns) e os factores psicossociais poderão passar a ter a importância que os factores químicos e físicos adquiriram a partir da primeira revolução industrial. Estaremos todos preparados para isso?


Os recursos dedicados à busca de respostas a tantas novas perguntas e as competências hoje existentes na área da Saúde Ocupacional serão suficientes para a necessária criação (e divulgação) de conhecimento nesse domínio?


Julga-se não ser difícil concluir que as interrogações sobre o teletrabalho são muito mais frequentes que as certezas. Será que o benefício da supressão das deslocações casa/trabalho/casa e o (aparente) conforto do lar são mais vantajosas que o pouco conhecimento, ou mesmo desconhecimento, das respectivas eventuais desvantagens?


Nota: Publicado, inicialmente, em Healthnews.


sexta-feira, 1 de março de 2024

Mais um dia de comemoração do dia mundial do cancro

 



Antonio Sousa-Uva

 

Mais um dia 4 de fevereiro em que se comemora, desde 2000, o Dia Mundial do Cancro. Pretende-se, com essa comemoração, chamar a atenção para essa(s) doença(s). Será a esse propósito, adequado lembrar as situações de cancro profissional ou de cancro “ligado” ao trabalho.


De facto, estima-se que o trabalho possa contribuir, de diversas formas, para a incidência de cancro em 4 a 8%. Estima-se também que morram, anualmente, mais de 10 milhões de pessoas por cancro, o que, pasme-se, será grosseiramente equivalente à população de Portugal.

 

Se para a generalidade dos cancros, cerca de um terço possam ser tratados se identificados atempadamente e outro terço pode ser totalmente evitado, no caso do cancro profissional ou “ligado ao Trabalho” essa evicção é (tendencialmente) totalmente possível se forem adoptadas as mais adequadas medidas de gestão de riscos profissionais baseadas no conhecimento científico já, actualmente, existente. Apesar disso, e com excepção do amianto (ou asbestos), designadamente no espaço europeu, existem muitas situações de trabalho onde continuam a ser usadas substâncias cancerígenas com risco de cancro profissional.

 

Poder-se-ia mesmo dizer que as grandes apostas de prevenção do cancro poderiam (e deveriam) abranger, para além da prevenção dos hábitos tabágicos a prevenção do cancro ligado ao trabalho já que em ambas as situações essa prevenção é, tendencialmente, totalmente coroada de sucesso, enquanto em muitos casos as variáveis individuais são bem mais determinantes com grande destaque para o envelhecimento.  

 

Conhecer os riscos, apesar de não os prevenir, é uma forma importante de prevenir o cancro, mas desconhecê-los, certamente, poderá contribuir para aumentar o risco de os contrair o que acontece demasiadas vezes em ambiente profissional em que essa opção é tomada, pasme-se, para não assustar os trabalhadores ...


Se puder, procure o seu médico do trabalho e, pelo menos, informe-se se as condições de trabalho em que exerce a sua actividade pode aumentar o risco de cancro, não para não continuar a trabalhar mas para trabalhar adoptando as correctas medidas de prevenção! Se é médico não se esqueça que o trabalho pode ser causa de cancro e que a sua prevenção é, tendencialmente, totalmente eficaz! 

 

Nota: Adaptado de um texto publicado, inicialmente, em Healthnews.

04 de fevereiro de 2023

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Ainda os acidentes de trabalho mortais: trabalhador soterrado em mina e queda de outros dois de 30 metros de altura

 


Antonio Sousa-Uva


Neste dia 12 de fevereiro de 2024 mais um acidente de trabalho mortal, agora por soterramento e numa mina e outros dois por queda. Para quem associa os acidentes de trabalho mortais só à Construção Civil estes trágicos acontecimentos vêm revelar que tal nem sempre acontece e que essa abordagem é muito redutora.

 

De quando em vez outras notícias, com desfecho mais ou menos (in)feliz, dão-nos conta de outras situações ocorridas também em minas e na indústria. Para muitos, esses acontecimentos são inevitáveis e considerados um acontecimento fortuito tão ligado ao “azar” que, por exemplo, em Itália o acidente denomina-se infortúnio (ou falta de sorte) ou mesmo uma "disgrazia".

 

Será desejável referir que todos os acidentes, pelo menos no plano teórico, são evitáveis e preveníveis. Algumas questões, nesse domínio, podem então ser colocadas:

 

Fazemos o que deve ser feito em matéria de prevenção dos acidentes de trabalho?

 

As normas e regras da Saúde e Segurança do Trabalho são respeitadas nesse domínio?

 

Será suficiente, a diversos níveis, o controlo da aplicação das normas e regras?

 

Existirá uma robusta cultura de saúde e segurança do trabalho nas nossas empresas e outras organizações?

 

A comunicação de riscos e a formação dos trabalhadores nesse domínio serão realizadas de forma sistemática e com grande empenho dos empregadores?

 

A prevenção de acidentes de trabalho não é muito olhada como um custo adicional?

 

Poderiam colocar-se muitas outras questões em relação à ocorrência destes dramáticos acontecimentos, mas o propósito desta reflexão é somente a tentativa de promover mais “massa crítica” nesse domínio. Tal faz-se mais pensando nesses assuntos do que apenas descrevendo-os …

 

No nosso caso, de dedicação de quase 50 anos a estes assuntos, a conclusão é que não fazemos tudo o que poderíamos fazer para prevenir estes acontecimentos e cada vez que ocorrem temos a sensação que podíamos ter feito mais e melhor para os evitar. Se pensarmos dessa forma, mesmo por excesso, a probabilidade de acontecerem, seguramente, que será cada vez menor, rumo à sua desejada total evicção. Reduzimos, portanto, o risco rumo à sua eliminação. Esse sim, é um bom objectivo mas requer mais empenho de todos!

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Para quando o necessário "golpe de rins" na Saúde Ocupacional?


Antonio Sousa-Uva

 

As práticas da saúde (e segurança) do trabalho, historicamente, podem ser sistematizadas em quatro grandes fases:


  • a Proto-Medicina do Trabalho, desde a Antiguidade até à segunda grande guerra;
  • a Medicina do Trabalho Clássica, desde a segunda grande guerra até à década de 1980;
  • a Saúde Ocupacional, desde a década de 1980 até ao final do século passado;
  • a Saúde (e Segurança) dos trabalhadores, desde o início deste século, plasmada no nosso edifício jurídico específico como “Segurança, Higiene e Saúde dos Trabalhadores nos Locais de Trabalho”;
E, espera-se,

  •  a Nova Saúde Ocupacional.

 

A primeira fase (a Proto-Medicina do Trabalho) foi, essencialmente, caracterizada pelas acções centradas nos efeitos negativos que o trabalho pode ter na saúde da população trabalhadora e perspetivadas, basicamente, através de um modelo biomédico de análise e de intervenção. O centro da sua atenção foram os acidentes de trabalho e as doenças profissionais (dose-dependentes) e as metodologias de intervenção incidiram, no essencial, nas dimensões curativas e preventivas daquelas patologias.

 

Até à Idade Média a “maquinaria” era muito escassa, a que se seguiu um grande incremento do transporte animal e a utilização das forças motrizes da água e do vento. Começa gradualmente a aparecer, nas cidades, o trabalho artesanal com tendência a concentrar-se, geograficamente, por profissão. É a época da manufatura, que antecede a era da “máquina”, muito alicerçada em relações mestre/aprendiz, onde por vezes se pagava para aprender um "ofício". O verdadeiro trabalho assalariado só emerge com a 1ª revolução industrial.

 

A esse primeiro período (até à primeira revolução industrial) segue-se, a partir de meados do século XVIII, um segundo período de grandes inovações tecnológicas a que se segue o século do ferro e do aço (século XIX). É nessa altura que emerge a primeira legislação ligada aos aspetos da saúde nas suas relações com o trabalho, no Reino Unido, a Lei da Moral e dos Aprendizes de 1802. Interdita-se então o trabalho a menores de nove anos de idade, limita-se o seu trabalho a 8 horas de trabalho diário (6 dias por semana) e, ainda, o trabalho noturno.

 

É ainda no final do século XIX que se cria, no Reino Unido, a obrigatoriedade de notificação de doenças profissionais, só sendo incluída a notificação da intoxicação pelo mercúrio em 1899. Desde a Idade Média que eram descritas doenças profissionais fundamentalmente relacionadas com a exposição a metais (saturnismo em trabalhadores de catedrais; hidrargirismo da doença dos ourives; …) que, em 1700, viriam a integrar um tratado de medicina sobre as doenças dos trabalhadores da autoria de Bernardino Ramazzini, médico italiano.

 

A segunda fase (a Medicina do Trabalho Clássica), que se seguiu, foi influenciada de forma decisiva pelas vincadas alterações sociais, e do sistema produtivo, determinadas pelas modificações ocorridas como consequência de carência de mão-de-obra, designadamente no período da 2ª grande guerra mundial e no período que se lhe seguiu. Trata-se de um período de grande desenvolvimento industrial que ocorreu inicialmente na Europa, mas que se expandiu por todo o mundo e que se caracterizou por um grande impulso da indústria metalúrgica seguido da “era do plástico” e do grande desenvolvimento da indústria química.

 

Neste período desenvolveu-se a Medicina do Trabalho Clássica, visando adaptar o trabalho ao homem e cada homem à sua profissão, em que se objectivava: (i) a prevenção médica dos riscos profissionais; (ii) o bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores e (iii) o trabalho realizado em ambientes adaptados às capacidades físicas e psíquicas dos trabalhadores.

 

Foi um período com uma intensa produção de normas e outras disposições técnico-jurídicas que, no período seguinte, a “Saúde Ocupacional”, será ainda mais produtivo, com o desenvolvimento, cada vez mais intenso, dos aspetos da prevenção dos acidentes de trabalho e, em menor escala, da prevenção das doenças profissionais.

 

Aprofunda-se a terciarização, com significativas e muito vincadas, mudanças tecnológicas e organizacionais e, mais para o final do milénio, assiste-se ao reforço da globalização da economia mundial (e uma "exportação do sector secundário"), com a colocação de novos desafios às relações entre o trabalho e a saúde. Essa globalização fomentou, por exemplo, a deslocalização de empresas e a “exportação” de algumas atividades (de trabalho) que propiciaram maiores vantagens económicas apesar de, em muitos casos, não se assistir à equivalente globalização das condições de saúde, higiene e segurança do trabalho e, consequentemente, diferentes condições de trabalho e diferentes custos de produção. Nesses países assiste-se à "secundarização" da economia com, por exemplo, uma redução do trabalho agrícola.


"Explode" o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação e novas formas de organização do trabalho de que são bons exemplos a "uberização", o teletrabalho, e mais recentemente, o uso da "inteligência artificial" que, tudo leva  a crer, terá implicações no mundo do trabalho. Tais formas de trabalhar desafiam os anteriores modelos de prevenção, modificam as exigências do trabalho e exigem novos modelos de "compreensão" desse trabalho e, igualmente, novas estratégias de intervenção. 

 

O modelo médico das relações trabalho/doença, muito baseado no fator (profissional) de risco (ou “perigo”) e na doença/acidente correlacionada(o) é substituído, gradualmente, pelo modelo multifatorial, sistémico, dessas relações. Um bom exemplo disso é a crescente valorização dos fatores relacionados com a atividade e dos fatores psicossociais, separados ou mesclados, que trazem maior complexidade às matrizes etiológicas e, por isso, mais importantes desafios às estratégias de prevenção desses mesmos riscos. Na Europa, por exemplo, mais de 25% dos trabalhadores referem stress relacionado com o trabalho em todo o tempo de trabalho ou na maioria desse tempo, um grande número refere algia musculoesquelética e acentua-se muito a terciarização da economia e novas formas de trabalhar que desafiam, designadamente, o "on/off" do "trabalho/não trabalho" cujas repercussões na saúde são ainda mal conhecidas.

 

A sociedade e o mundo do trabalho ocidentais valorizam, de facto e cada vez mais, o ambiente psicossocial e a sua importância nas relações trabalho/saúde(doença) adquire protagonismo em relação aos fatores de risco de natureza química e física, dominantes, por exemplo, no período da Medicina do Trabalho Clássica.

 

O (desejado) atual período, a “Saúde (e Segurança) dos trabalhadores”, é também centrado no trabalhador e não só no ambiente de trabalho. A perspetiva é mais baseada no indivíduo “uno”, saudável e seguro, e não apenas nos locais de trabalho saudáveis e seguros, ainda demasiadamente evocados apesar de, aparentemente, cada vez mais "doentes". É nesse período que nasce, também, o conceito de “trabalho decente”, também ligado aos aspetos da saúde e segurança: “… Decent work must be Safe Work”.

 

Nas relações entre o trabalho e a saúde(doença) mantêm-se todavia, sistematicamente, muito esquecidos os aspetos “positivos” que o trabalho, em termos de satisfação, bem-estar e realização pessoal, pode ter e a "resposta" à prevenção dos riscos psicossociais e relacionados com a actividade mantém-se, no essencial, profusamente insatisfatória. A este período poderíamos denominar "a Nova Saúde Ocupacional"  De facto, o trabalho pode ser mais saudável (e seguro) e até mesmo um factor promotor de saúde (espera-se que seja o referido vindouro período), devendo contribuir para tal o compromisso das empresas e dos trabalhadores e designadamente:

 

  • o reconhecimento que as empresas têm impacto na saúde (e segurança) das pessoas, o que deveria determinar o desenvolvimento de uma cultura desses valores de que resultaria melhor resposta preventiva;
  • os riscos profissionais estão muito para além dos riscos de acidente de trabalho e "travestem-se" de doenças naturais, contrariamente às doenças profissionais exclusivas, com matrizes etiológicas complexas em que outros factores também intervêm;
  • a necessidade de compromisso organizacional, de informação e de boa comunicação;
  • o maior envolvimento dos trabalhadores no processo de decisão em saúde (e segurança);
  • e a necessidade de promover políticas e práticas de escolhas saudáveis e seguras (que também sejam as mais fáceis).


De que estamos então à espera para promover esse (novo)compromisso? É que, de facto, não há  trabalho saudável (e seguro)  sem trabalhadores saudáveis (e também seguros) e isso é mesmo, de facto, o que interessa. Não será assim? vamos  continuar a "expurgar" o trabalhador dos postos de  trabalho,  atribuindo-lhe  a  classificação  de "trabalhador médio" e  a perseguir somente locais de trabalho saudáveis?  


É   que  "trabalho   saudável",  note-se, é   bem    diferente  de  "local  de  trabalho   saudável", desde   logo   porque  o  trabalho  é   humano  e  os  trabalhadores   são sua parte integrante. Local de trabalho é, portanto, o local  onde o  trabalho é realizado e apenas  uma parte das exigências do trabalho    que   se  colocam  a  um  trabalhador. E,  definitivamente,   não  existe qualquer "trabalhador médio".



Nota: Adaptado de um texto publicado, inicialmente, na revista Segurança.