Antonio Sousa-Uva
Há quem diga que o que fica para a história nem sempre faz jus à verdade. Vem isto a propósito, entre outras, de uma reivindicação pública então assumida para a criação médica da carreira de Medicina do Trabalho da qual fui primeiro subscritor (com outros cinco médicos) em fevereiro de 2006. Dizia-se então:
" ... O desenvolvimento da Segurança, Higiene e Saúde dos Trabalhadores no Local de Trabalho está intimamente ligado à formação de recursos humanos especializados como, Técnicos de Segurança, Higienistas do Trabalho, Ergonomistas, Enfermeiros do Trabalho e Médicos do Trabalho, entre outros. A garantia de formação adequada do ponto de vista técnico e científico dos Médicos do Trabalho, não pode nem deve ser desligada da formação prática apropriada que, nas restantes Carreiras Médicas, é assegurada pelos respectivos Internatos Médicos oficiais.
Não existindo o Internato em Medicina do Trabalho, a Ordem dos Médicos pôs em marcha uma modalidade de formação complementar ao Curso de Medicina do Trabalho que, apesar da boa vontade dos seus promotores, não deixa de colocar os formandos numa situação de clara inferioridade por razões diversas, entre as quais, a mais importante se relaciona com a impossibilidade dos internos se poderem dedicar em pleno à formação/acção em área técnico-científica cada vez mais complexa e mais exigente.
Com a publicação do Decreto-lei nº 488/99, de 17 de Novembro foi estendido à Administração Pública o regime jurídico do enquadramento da segurança, higiene e saúde no trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 441/91 de 14 de Novembro.
Basta atender à magnitude da força laboral existente nos organismos da administração central, local e regional (cerca de 750 mil trabalhadores) para estimar as necessidades em profissionais de saúde ocupacional de 200 médicos do trabalho, 400 técnicos de higiene e segurança e 200 enfermeiros a tempo inteiro, segunda a proposta legal menos exigente (um médico, dois técnicos de higiene e segurança e um enfermeiro por 3.750 trabalhadores).
No sector da saúde, onde a generalidade das actividades é de risco elevado, a estimativa mais adequada aponta para um médico do trabalho para 1500 trabalhadores. Por consequência serão necessários 80 Médicos do Trabalho para atender aos 120 mil trabalhadores dos Hospitais, Centros de Saúde e outros serviços centrais e regionais, não incluindo a resposta às exigências em cuidados primários de saúde.
As necessidades públicas de médicos do trabalho são razão necessária e suficiente para organizar a Carreira Médica de Medicina do Trabalho, tantas vezes prometida e nunca concretizada. A oficialização desta formação médica não só garantiria a preparação de quadros que permitiriam à Administração Pública o cumprimento da legislação que a abrange, como asseguraria a qualidade da intervenção destes profissionais na salvaguarda da saúde e do bem estar dos trabalhadores da administração central, local e regional, suporte essencial de um desenvolvimento económico e social sustentável.
Os subscritores desta reivindicação estão certos que os responsáveis políticos ao nível do Governo, da Assembleia da República e da Presidência da República não deixarão de levar em linha de conta os mais altos interesses nacionais, cumprindo e fazendo cumprir o imperativo legal e constitucional da defesa e garantia da saúde dos trabalhadores da Administração Pública ...".
A carreira viria a ser criada e alguns anos depois viria a ser aprovado o seu plano de formação que ainda vigora.
Passados estes anos terá a Administração Pública promovido as iniciativas suficientes para melhorar a defesa e garantia da saúde dos seus trabalhadores? Muitas respostas são possíveis, mas todas ajudarão, por certo, à reflexão necessária a compreender o presente para perspectivar um melhor futuro.
Sintra, 28 de junho de 2023