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terça-feira, 5 de março de 2024

(alguns) Desafios do teletrabalho na perspectiva da Saúde (e Segurança) Ocupacional(ais)

 



Antonio Sousa-Uva


A designação “teletrabalho” remonta, talvez, aos anos de 1970 e significa, como muitas outras variantes dessa denominação, no essencial, o trabalho à distância realizado num local não predeterminado pela entidade empregadora. Daí também a designação de “trabalho remoto”, frequentemente realizado no domicílio do trabalhador (trabalho em casa ou “home work”). A generalização da utilização de meios e tecnologias da informação e, designadamente, de plataformas específicas, só no final da década de 1990, veio de facto a dar-lhe mais visibilidade, ainda que essencialmente confinada a certas actividades profissionais e a certos sectores de actividade económica.


Apesar disso, o número de trabalhadores nessa modalidade de trabalho sempre foi muito pouco expressivo, e muitas vezes mesmo com um perfil híbrido, abrangendo valores muito inferiores a 5% dos trabalhadores (e na sua expressão de exercício permanente, valores até inferiores a 1%) e com uma importante variabilidade entre a América do Norte e a Europa (também com grande variabilidade interna).


Em Portugal esses valores eram ainda menos expressivos e confinados a determinadas actividades profissionais, abrangendo praticamente apenas trabalhadores “white colar”, ainda que no passado algum “trabalho à peça” já adoptasse essa modalidade na indústria cerâmica e no calçado. Esse regime abrangeu, por exemplo, uma minoria de trabalhadores do ensino, da comunicação, da informática e do sector financeiro.


A pandemia, por razões óbvias, revolucionou a realidade sumariamente descrita e essa nova situação veio a colocar aquela modalidade de trabalho na agenda pós-pandemia. Tal (nova) realidade tem colocado, todavia, inúmeras questões, entre as quais se referem as seguintes:


Existirá uma correlação positiva entre essa modalidade de trabalho e a saúde dos trabalhadores?


O aumento do tempo de trabalho que se associa a essa modalidade poderá causar mais fadiga, mais alterações do sono ou mais alterações da saúde mental como o stress ou a ansiedade?


Os teletrabalhadores, com o aumento de autonomia no trabalho que o teletrabalho proporciona, potenciam (ou promovem) a sua saúde?


O “on/off” do trabalho/não-trabalho mais frequente no teletrabalho poderá repercutir-se na saúde do teletrabalhador?


Os modelos teóricos de doença profissional e de acidente de trabalho actualmente existentes serão adequados para compreender essa nova (tele)realidade?


Nos aspectos específicos do Direito do Trabalho, por exemplo no campo concreto da reparação de danos, que novos desafios se colocam aos teletrabalhadores?


Estaremos a dar a necessária atenção, e a desenvolver a necessária regulação, em matéria de interdependências entre o trabalho e saúde, a tal modalidade de trabalho, actualmente bem mais prevalente que no período pré-pandémico?


Os actuais modelos de prevenção dos riscos profissionais, nessa modalidade de trabalho, servirão para alguma coisa?


Serão os novos locais de teletrabalho adequados a essa função?


Uma sala de estar ou uma cozinha, já que raras casas têm escritório, e o respectivo mobiliário servirão para essa nova função? 


Uma coisa parece certa, as dúvidas das inter-relações e interdependências entre essa modalidade de trabalho e a saúde (e segurança) são em muito maior número que no trabalho tradicional, onde, note-se, já eram muito frequentes. E, tudo leva a crer, os factores de risco relacionados com a actividade (“ergonómicos” para alguns) e os factores psicossociais poderão passar a ter a importância que os factores químicos e físicos adquiriram a partir da primeira revolução industrial. Estaremos todos preparados para isso?


Os recursos dedicados à busca de respostas a tantas novas perguntas e as competências hoje existentes na área da Saúde Ocupacional serão suficientes para a necessária criação (e divulgação) de conhecimento nesse domínio?


Julga-se não ser difícil concluir que as interrogações sobre o teletrabalho são muito mais frequentes que as certezas. Será que o benefício da supressão das deslocações casa/trabalho/casa e o (aparente) conforto do lar são mais vantajosas que o pouco conhecimento, ou mesmo desconhecimento, das respectivas eventuais desvantagens?


Nota: Publicado, inicialmente, em Healthnews.


sexta-feira, 1 de março de 2024

Mais um dia de comemoração do dia mundial do cancro

 



Antonio Sousa-Uva

 

Mais um dia 4 de fevereiro em que se comemora, desde 2000, o Dia Mundial do Cancro. Pretende-se, com essa comemoração, chamar a atenção para essa(s) doença(s). Será a esse propósito, adequado lembrar as situações de cancro profissional ou de cancro “ligado” ao trabalho.


De facto, estima-se que o trabalho possa contribuir, de diversas formas, para a incidência de cancro em 4 a 8%. Estima-se também que morram, anualmente, mais de 10 milhões de pessoas por cancro, o que, pasme-se, será grosseiramente equivalente à população de Portugal.

 

Se para a generalidade dos cancros, cerca de um terço possam ser tratados se identificados atempadamente e outro terço pode ser totalmente evitado, no caso do cancro profissional ou “ligado ao Trabalho” essa evicção é (tendencialmente) totalmente possível se forem adoptadas as mais adequadas medidas de gestão de riscos profissionais baseadas no conhecimento científico já, actualmente, existente. Apesar disso, e com excepção do amianto (ou asbestos), designadamente no espaço europeu, existem muitas situações de trabalho onde continuam a ser usadas substâncias cancerígenas com risco de cancro profissional.

 

Poder-se-ia mesmo dizer que as grandes apostas de prevenção do cancro poderiam (e deveriam) abranger, para além da prevenção dos hábitos tabágicos a prevenção do cancro ligado ao trabalho já que em ambas as situações essa prevenção é, tendencialmente, totalmente coroada de sucesso, enquanto em muitos casos as variáveis individuais são bem mais determinantes com grande destaque para o envelhecimento.  

 

Conhecer os riscos, apesar de não os prevenir, é uma forma importante de prevenir o cancro, mas desconhecê-los, certamente, poderá contribuir para aumentar o risco de os contrair o que acontece demasiadas vezes em ambiente profissional em que essa opção é tomada, pasme-se, para não assustar os trabalhadores ...


Se puder, procure o seu médico do trabalho e, pelo menos, informe-se se as condições de trabalho em que exerce a sua actividade pode aumentar o risco de cancro, não para não continuar a trabalhar mas para trabalhar adoptando as correctas medidas de prevenção! Se é médico não se esqueça que o trabalho pode ser causa de cancro e que a sua prevenção é, tendencialmente, totalmente eficaz! 

 

Nota: Adaptado de um texto publicado, inicialmente, em Healthnews.

04 de fevereiro de 2023