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segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Envelhecimento e Trabalho: se nós mudamos com a idade também o trabalho (humano) tem que mudar!

 


Antonio Sousa-Uva


A idade da reforma tem vindo a aumentar um pouco por todo o mundo, com destaque para a Europa, e logo também em Portugal em que se regista, ainda, uma penalização crescente no que concerne às reformas antecipadas. Não será alheio a essa circunstância, entre outros, o aumento da esperança de vida (excepto, em Portugal, a actual ligeira diminuição pós pandemia …) e a redução da taxa de natalidade, desincentivando-se dessa forma, muito vincadamente e cada vez mais, a retirada precoce da vida ativa.

 

O envelhecimento da população nas sociedades do mundo ocidental tem levado, de facto, a importantes mudanças dos sistemas de Segurança Social ainda que essa extensão da vida ativa raramente seja acompanhada de intervenções na melhoria das condições de trabalho inerentes a tal prolongamento. Seria desejável que a “capacidade de trabalho” ao longo da vida se mantivesse (quase) nos níveis do início da atividade profissional em idades jovens, mas esse prolongamento da vida ativa coloca importantes desafios em diversos contextos, e também na perspetiva da Saúde Ocupacional e de outras disciplinas como por exemplo a Ergonomia encarada na perspetiva da Saúde e Segurança do Trabalho.

 

Também a terciarização da Economia tem contribuído para, pelo menos parcialmente, uma manutenção da capacidade de trabalho em idades menos jovens.

 

Sabe-se, por exemplo, que a capacidade física, medida através da capacidade cardiorrespiratória, da força máxima voluntária ou da capacidade musculoesquelética, declina com a idade, e é menos notória em situações de trabalho com menos exigências físicas. Todavia, a diminuição da capacidade auditiva e, também da capacidade visual, por exemplo, que muitos de nós só se apercebem com a finitude da extensão do membro superior, interferem sempre (mesmo corrigidas) com quaisquer exigências do trabalho.

 

Também o espaço unitário de trabalho e as vias de comunicação em qualquer sector de actividade económica, por exemplo, devem ter em conta esses aspectos numa situação de trabalho com um trabalhador mais idoso, para não falar na adequação dos tempos e dos métodos de trabalho.

 

Essas variabilidades individuais num ambiente de trabalho com trabalhadores cada vez mais envelhecidos devem, portanto, ser determinantes na concepção das condições de trabalho e da atividade, não só numa perspetiva da manutenção da capacidade de trabalho dos trabalhadores, mas também numa perspetiva da obtenção dos melhores índices de realização (ou performance) exigíveis em qualquer situação de trabalho.

 

Adicionalmente, a decisão de trabalhar ou de se reformar depende de inúmeros fatores que estão para além do “espartilho” do enquadramento legal nesse domínio. Tal decisão inicia-se, desde logo, com a resposta à pergunta: posso trabalhar? A que se acrescenta essa necessidade ou esse querer, que dependem tanto de escolhas individuais como da cultura dominante nesse domínio.

 

Ora a resposta a essa(s) pergunta(s) será tanto mais alinhada com a continuação do trabalhador na sua vida ativa quanto maior for a harmonia entre as exigências do trabalho e a capacidade restante do trabalhador, o que deveria determinar não a “seleção” dos trabalhadores para situações de trabalho concretas, mas a “seleção” (leia-se conceção) de situações de trabalho para os trabalhadores concretos disponíveis (que trabalham cada vez até mais tarde).

 

Os trabalhadores são, de facto, cada vez menos jovens e, muitas vezes, largamente seniores ainda que raramente tal seja tido em conta no “desenho” das respectivas situações de trabalho. São dessa forma prejudicados não só os trabalhadores, mas a qualidade e a quantidade do trabalho (humano) que, nesses contextos, poderia ser obtido. Porque tardará, então, um maior (e melhor) investimento na concepção (e na organização) do trabalho na perspectiva da Saúde Ocupacional? É que envelhecimento activo não se deveria circunscrever apenas à manutenção da capacidade articular e muscular dos nossos membros superiores e inferiores!

 

Bibliografia

McDermott H et al. Developing occupational health services for active age management. Occupational Medicine. 2010;60(3):193–204.

Sousa-Uva, A (ed). Trabalhadores saudáveis e seguros em locais de trabalho saudáveis e seguros, 2010, Lisboa: Petrica Editores.

Sousa-Uva, A. Idade ativa e Reforma: na perspetiva da saúde do trabalhador fará sentido o tudo ou nada? Sintra: ErgoAge2018: Ergonomia, Envelhecimento e Trabalho, 2018

Sousa-Uva, A (org). Saúde Ocupacional: o trabalho ou o trabalhador como principal alvo da sua ação? 2019, Lisboa: Petrica Editores.

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Lombalgia crónica: os, reiteradamente, esquecidos fatores de risco profissionais!

 


                                                                                       Antonio Sousa-Uva


A incidência e a prevalência de lombalgias são muito elevadas na população geral e, por isso, têm concentrado a atenção de diversas especialidades médicas, com destaque para a Medicina Geral e Familiar, numa perspectiva,, essencialmente, do seu diagnóstico e tratamento, já que a probabilidade de sofrer dessa algia á muito elevada até à idade (bem) adulta. Todavia, por razões incompletamente conhecidas, o respectivo contexto profissional nem sempre é valorizado, quer na sua origem, quer no seu agravamento laboral ainda que a Organização Mundial de Saúde estime que mais de um terço das lombalgias tenha origem profissional.

 

Serão as condições de trabalho suficientemente tidas em conta?

Será, igualmente, tida em conta a actividade profissional na história natural da lombalgia?

 

Bastará referir, como exemplo de fatores de risco relacionados com a atividade, as posições de trabalho extremas, nomeadamente a flexão, a extensão ou a rotação do tronco, a sua repetição, e ainda mais se sujeita a cargas e/ou a exposição a vibrações. Tal, muitas vezes e adicionalmente, com elevadas exigências no tempo de execução das tarefas e com outros fatores de risco de natureza individual como o peso, a idade, os hábitos tabágicos ou a capacidade física, todos com influência potencial na origem ou no agravamento da lombalgia.

 

Parece claro que em qualquer abordagem sobre as lombalgias (e mais ainda nas crónicas) não se deve esquecer a complexidade das interdependências entre os diversos fatores etiológicos ou de agravamento, sendo inadiável dar muito mais importância aos fatores profissionais, quer na etiologia ou no agravamento desse quadro clínico, quer na sua prevenção.

 

Para tanto é, igualmente, inadiável que em qualquer nível de intervenção na história natural da “doença” (seja primário, secundário ou terciário) se tenha presente a necessidade de actuação precoce nas situações de trabalho, antecipando esse risco ou, se se preferir, a probabilidade da sua ocorrência.

 

Também a presença de uma lombalgia (com ou sem origem profissional) deve determinar uma boa articulação entre a Medicina Familiar e a Medicina do Trabalho, promovendo uma melhor gestão clínica de cada situação concreta, a intervenção na situação de trabalho e, até, uma melhor articulação na eventual necessidade de reintegração e readaptação (ou mesmo de recolocação) bem-sucedida do trabalhador no seu local de trabalho. De facto, qualquer que seja a situação clínica de cada cidadão, as exigências do trabalho devem fazer parte das preocupações em matéria de promoção da saúde e da prevenção da doença.

 

É que, quer queiramos ou não, o trabalho preenche uma importante parte de mais de metade da vida de cada cidadão e esses cidadãos, nessa fase activa da sua vida, são um importante suporte e fonte de recursos indispensáveis à estruturação das sociedades modernas. Porque tarda, então, o indispensável incremento no investimento na saúde desses cidadãos (como são os exemplos dos contributos da Saúde Ocupacional e da Medicina do Trabalho)?

 

Bibliografia

  • Griffith L. et al. Individual participant data meta-analysis of mechanical workplace risk factors and low back pain. Am J Public Health. 2012;102(2):309–18.
  • Hill, J. et al. Comparison of stratified primary care management for low back pain with current best practice (STarT Back): a randomized controlled trial. Lancet 2011; 378: 1560–71.
  • Nelson D. et al. The global burden of selected occupational diseases and injury risks: methodology and summary. Am J Ind Med. 2005; 48(6):400-18.
  • Serranheira F., Sousa-Uva M., Sousa-Uva A. Hospital nurses tasks and work-related musculoskeletal disorders symptoms: A detailed analysis. Work. 2015 Jul 15;51(3):401-9.
  • Serranheira F., Sousa-Uva A. Prevenção da lombalgia crónica: porque tarda a valorização dos fatores de risco (e da intervenção) em meio laboral? 13º Fórum Nacional de Medicina do Trabalho, Lisboa (Culturgest), 19 e 20 de novembro de 2015.
  • Sousa-Uva, A. Diagnóstico e gestão do risco em saúde ocupacional. Lisboa: ACT, 2006; 2010.
  • Uva, A S, Serranheira F. Saúde, doença e trabalho: ganhar ou perder a vida a trabalhar? 2ª Edição. Lisboa: Diário de Bordo Editores, 2019.

Nota: Também publicado em Healthnews