Antonio Sousa-Uva
A idade da reforma tem vindo a aumentar um pouco por todo o mundo, com destaque para a Europa, e logo também em Portugal em que se regista, ainda, uma penalização crescente no que concerne às reformas antecipadas. Não será alheio a essa circunstância, entre outros, o aumento da esperança de vida (excepto, em Portugal, a actual ligeira diminuição pós pandemia …) e a redução da taxa de natalidade, desincentivando-se dessa forma, muito vincadamente e cada vez mais, a retirada precoce da vida ativa.
O envelhecimento da população nas sociedades do mundo ocidental tem
levado, de facto, a importantes mudanças dos sistemas de Segurança Social ainda
que essa extensão da vida ativa raramente seja acompanhada de intervenções na
melhoria das condições de trabalho inerentes a tal prolongamento. Seria desejável que a “capacidade de
trabalho” ao longo da vida se mantivesse (quase) nos níveis do início da
atividade profissional em idades jovens, mas esse prolongamento da vida ativa
coloca importantes desafios em diversos contextos, e também na perspetiva da
Saúde Ocupacional e de outras disciplinas como por exemplo a Ergonomia encarada
na perspetiva da Saúde e Segurança do Trabalho.
Também
a terciarização da Economia tem contribuído para, pelo menos parcialmente, uma
manutenção da capacidade de trabalho em idades menos jovens.
Sabe-se, por exemplo, que a capacidade
física, medida através da capacidade cardiorrespiratória, da força máxima
voluntária ou da capacidade musculoesquelética, declina com a idade, e é menos
notória em situações de trabalho com menos exigências físicas. Todavia, a
diminuição da capacidade auditiva e, também da capacidade visual, por exemplo,
que muitos de nós só se apercebem com a finitude da extensão do membro superior,
interferem sempre (mesmo corrigidas) com quaisquer exigências do trabalho.
Também o espaço unitário de trabalho e as
vias de comunicação em qualquer sector de actividade económica, por exemplo,
devem ter em conta esses aspectos numa situação de trabalho com um trabalhador
mais idoso, para não falar na adequação dos tempos e dos métodos de trabalho.
Essas variabilidades
individuais num ambiente de trabalho com trabalhadores cada vez mais
envelhecidos devem, portanto, ser determinantes na concepção das condições de
trabalho e da atividade, não só numa perspetiva da manutenção da capacidade de
trabalho dos trabalhadores, mas também numa perspetiva da obtenção dos melhores
índices de realização (ou performance)
exigíveis em qualquer situação de trabalho.
Adicionalmente, a
decisão de trabalhar ou de se reformar depende de inúmeros fatores que estão
para além do “espartilho” do enquadramento legal nesse domínio. Tal decisão
inicia-se, desde logo, com a resposta à pergunta: posso trabalhar? A que se
acrescenta essa necessidade ou esse querer, que dependem tanto de escolhas
individuais como da cultura dominante nesse domínio.
Ora a resposta a
essa(s) pergunta(s) será tanto mais alinhada com a continuação do trabalhador
na sua vida ativa quanto maior for a harmonia entre as exigências do trabalho e
a capacidade restante do trabalhador, o que deveria determinar não a “seleção”
dos trabalhadores para situações de trabalho concretas, mas a “seleção” (leia-se
conceção) de situações de trabalho para os trabalhadores concretos disponíveis
(que trabalham cada vez até mais tarde).
Os trabalhadores são, de facto, cada vez menos jovens e, muitas vezes, largamente seniores ainda que raramente tal seja tido em conta no “desenho” das respectivas situações de trabalho. São dessa forma prejudicados não só os trabalhadores, mas a qualidade e a quantidade do trabalho (humano) que, nesses contextos, poderia ser obtido. Porque tardará, então, um maior (e melhor) investimento na concepção (e na organização) do trabalho na perspectiva da Saúde Ocupacional? É que envelhecimento activo não se deveria circunscrever apenas à manutenção da capacidade articular e muscular dos nossos membros superiores e inferiores!
Bibliografia
McDermott H et al. Developing occupational health services for active age management. Occupational Medicine. 2010;60(3):193–204.
Sousa-Uva, A (ed). Trabalhadores saudáveis e seguros em locais de trabalho saudáveis e seguros, 2010, Lisboa: Petrica Editores.
Sousa-Uva, A. Idade ativa e Reforma: na perspetiva da saúde do trabalhador fará sentido o tudo ou nada? Sintra: ErgoAge2018: Ergonomia, Envelhecimento e Trabalho, 2018
Sousa-Uva, A (org). Saúde Ocupacional: o trabalho ou o trabalhador como principal alvo da sua ação? 2019, Lisboa: Petrica Editores.