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sábado, 9 de julho de 2022

Mais um dia mundial da Alergia, sem esquecer a alergia profissional!



Antonio Sousa-Uva


No dia 8 de julho comemora-se o dia mundial da Alergia por iniciativa da OMS e de outra organização. Pretende-se chamar a atenção para as doenças alérgicas que têm aumentado (poderão afectar uma em cada três pessoas) o que poderá estar ligado, nomeadamente a alterações ambientais e aos nossos estilos de vida.

A alergia medicamentosa e alimentar vem adquirindo importância crescente. A rinite é tão frequente que muitas vezes nem determina a procura de cuidados, e em quase metade dos casos é acompanhada de asma, essa sim mais valorizada pelos cidadãos.
A asma é, no essencial, uma obstrução reversível do fluxo de ar nas vias respiratórias e/ou uma hiper-reactividade brônquica causada por factores de risco. A asma profissional, desde a última metade do século passado tem vindo a adquirir uma importância crescente entre as doenças profissionais. 
Estima-se que 5 a 10% de todas as asmas dos adultos possam ter origem profissional e, em certas atividades profissionais, essa proporção pode ainda ser maior como é o exemplo paradigmático da indústria da panificação (a denominada asma dos padeiros). Independentemente de ser mais ou menos conhecida a sua frequência, a asma profissional é, por certo, insuficientemente conhecida, uma vez que o estabelecimento da sua relação com o trabalho nem sempre é valorizado.
São conhecidos muitos factores de risco de asma profissional. A indústria da madeira, a soldadura, a indústria têxtil, a indústria química e farmacêutica e a indústria dos plásticos e detergentes são, entre muitos outros, sectores económicos muito associados a um elevado número de casos de asma (e também de rinite). 
A presença de um quadro clínico de asma num indivíduo adulto deverá, sistematicamente, chamar a atenção para a hipótese da sua causa ser profissional, principalmente se associado, por exemplo, a rinite ou conjuntivite que, muitas vezes, a precedem ou podem aparecer simultaneamente. 

08 de julho de 2022


Bibliografia

  • Uva, A S. O médico do trabalho e as doenças alérgicas profissionais. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho, 2000 (Cadernos Avulso 2).
  • Uva, A S. – Asma profissional: da teoria à prática. Revista Portuguesa de Pneumologia. 2008;XIV(Supl 1):S61–S70.
  • Uva A S, Leite E S. Doenças respiratórias profissionais: mais vale prevenir que remediar. Saúde & Trabalho. 2005;5:89-112.

quarta-feira, 6 de julho de 2022

Medicina do Trabalho vs. Medicina no Trabalho




Antonio Sousa-Uva 

 

Durante cerca de quarenta anos um grupo de profissionais de Medicina do Trabalho de início e, depois, da área mais vasta da Saúde Ocupacional (ou Saúde e Segurança do Trabalho) que a integra, têm tentado, reiteradamente, que não se referia “Medicina do Trabalho” como sinónimo de “Medicina no Trabalho”. A argumentação centra-se no facto do objecto de estudo e de intervenção ser a influência negativa que o trabalho pode ter nas pessoas a trabalhar e não tanto no estado de saúde(doença) dos trabalhadores, independentemente do trabalho que realizam.

 

Ainda nos dias de hoje não é raro ouvir referências à Medicina no Trabalho nas empresas (e outras organizações), nos media, na internet e até, pasme-se, em abordagens técnicas dessa área de conhecimentos, independentemente do meio usado.

 

Claro que, quase sempre, essa referência é feita não valorizando a subtileza dessa diferença. O que alguns de nós não prevíamos era que pudéssemos chegar a situações (muito) frequentes dessa prática se tornar amiudadamente repetida. Repare-se no entanto que aquelas contrações advêm da preposição “de” e “em” que são bem diversas uma da outra.

 

Existirão, por certo, muitas explicações possíveis para a utilização indiscriminada dessas designações, como por exemplo:

 

Pouca importância atribuída à língua Portuguesa!

 

Pouca importância atribuída, pela sociedade em geral e até por empregadores e empregados, a essa área médica!

 

Exercício ilegal (algum) dessa prática ou até más práticas (algumas) dessa especialidade médica!

 

Imposição legal de organização de serviços, também de Medicina do Trabalho!

 

Utilização desses recursos médicos para “selecção” de trabalhadores e/ou controlo de absentismo!

 

Qualquer que seja(m) a(s) explicação(ões) para a “perpetuação” dessas denominações como sinónimos, mais recentemente surgiram ainda mais duas outras designações: “Medicina de Saúde Ocupacional” e o inglesismo “Medicina Ocupacional”.

 

Tal “floresta” de designações não ajuda muito a uma abordagem clarividente da designação correcta desta especialidade médica. Repare-se, no entanto que em outros países da Europa do Sul tais designações (Medicina del Lavoro em Itália, Medicina del Trabajo em Espanha ou Médecine du Travail em França) não sofrem dessa mesma falta de clarividência.

 

Não será isso suficiente para, de forma definitiva, denominar a especialidade médica que se dedica à prevenção médica dos riscos profissionais, à promoção da saúde no trabalho e à manutenção da capacidade de trabalho como Medicina do Trabalho? Acha-se que é mais do que suficiente!


Nota: Publicado, inicialmente, em Healthnews.

terça-feira, 5 de julho de 2022

Associações improváveis: Presidentes da República e acidentes de trabalho!


Antonio Sousa-Uva

 

A propósito da “telenovela” noticiosa do (des)convite do Presidente Jair Bolsonaro ao nosso Presidente Marcelo Rebelo de Sousa que “canibalizou” os canais noticiosos deste “rectangulozinho à beira-mar plantado” tive um encontro com o que me pareceu ser uma sequela de um acidente de trabalho de um ex-Presidente da República Federativa do Brasil. Confesso que nunca tinha reparado nisso.

 

Com os cuidados inerentes à procura de informação na internet, foi muito fácil (e rápido) aceder a dois vídeos de entrevistas a esse ex-Presidente realizadas há poucos anos que confirmaram tratar-se de uma sequela de um acidente de trabalho (a perda das três falanges do 5º dedo da mão esquerda).

 

Para os muitos que associam os acidentes de trabalho ao trabalho operário convirá referir que, de facto, tal terá acontecido, no passado operário daquele ex-Presidente, mas será igualmente importante referir-se que os acidentes de trabalho podem acontecer em qualquer trabalhador e não apenas em operários.

 

Mas o que me fez escrever este breve texto é que existe uma rápida associação dos acidentes de trabalho aos operários o que é bem revelador da sua excessiva frequência ainda que, no caso em apreço, essa sequela tenha mais de cinquenta anos. É algo a que julgo não ter dedicado suficiente atenção, tanto mais que é um tema a que tenho dedicado muito tempo da minha vida.

 

Nesse espaço de tempo, pelo menos na Europa, a redução da incidência de acidentes de trabalho tem sido uma realidade que está, por certo, para além da também importante redução de actividade do sector secundário.

 

Representará o raciocínio da associação dos acidentes de trabalho ao trabalho operário um entendimento representativo de um correcto investimento em prevenção?

 

Não representará isso uma espécie de “cumplicidade” com a inevitabilidade da sua ocorrência?

 

O investimento em prevenção não deveria ser proporcional ao risco?

 

Não bastará o conhecimento da completa preventabilidade desses acidentes para se investir mais na Saúde Ocupacional (ou Saúde e Segurança do Trabalho, se se preferir), no caso, na sua vertente Segurança do Trabalho?

 

Quero crer que se pode fazer muito mais do que se tem feito já que ainda se toleram muitas situações que deveriam ser totalmente inaceitáveis! O que faz mesmo falta é que se considere a Saúde Ocupacional parte integrante de qualquer trabalho e não uma espécie de “fringe benefit” de alguns!


Nota: Inicialmente publicado em Healthnews.