Translate

quarta-feira, 9 de março de 2022

A Saúde Ocupacional e o Dia Internacional da Mulher

 


                                                                                           Antonio Sousa-Uva 

 

Comemora-se hoje, 8 de março de 2022, o dia internacional da mulher, como de resto sucede sempre, e há muito, nesta data.

 

A ligação concreta entre aquela data e a comemoração não tem sido consensual e, inicialmente, existiram mesmo outras datas no início do século XX para essa comemoração. Desde a década de 70 do século passado a Organização das Nações Unidas (1975) declarou, solenemente esse dia, como o dia dessa comemoração que, como referido, já vinha a ser comemorado.

 

Apesar de alguma controvérsia sobre as razões da escolha desse dia e do que está na sua origem, tudo leva a crer que essa escolha se relaciona com o trabalho da mulher e a luta pela melhoria das condições de trabalho. De facto, atribui-se a Clara Zetkin, activista comunista, no início do século XX, a sugestão de um dia para essa comemoração1.

 

E que relação terá a Saúde Ocupacional com essa comemoração?

 

Na sua origem estão acontecimentos relacionados com “a Mulher e o Trabalho” muito alicerçados em movimentos de natureza sindical relacionados com exigências de melhores condições de trabalho. Se bem que o foco se situe mais em horários de trabalho e em exigências salariais, as más condições de trabalho também, como é sabido, terão sido avocadas.

 

A Saúde Ocupacional também se relaciona com as condições de trabalho, ainda que centradas na perspectiva da saúde (e na segurança) de quem trabalha. Interprete-se, a prevenção individual e ambiental das doenças profissionais e dos acidentes de trabalho.

 

Será que, para além da comemoração, estamos a fazer o necessário para que essas relações e interdependências não coloquem a saúde das trabalhadoras em risco? 

Não seria também essa forma de comemorar totalmente desejável? 

Já existirá total equidade salarial para homens e mulheres no sector secundário?

 

Parece, no mínimo, que poderíamos fazer muito mais por melhorar as condições de trabalho de homens e mulheres, seguramente com o contributo da Saúde (e Segurança) Ocupacional, sistematicamente desvalorizada no mundo do trabalho e tanto mais quando menos diferenciados são os (e as) trabalhadore(a)s.

 

Referências bibliográficas

 

1    United Nations. International Women's Day 8 March. Disponível em: https://www.un.org/en/ observances/womens-day. Consultado em 08 de março de 2022.

 

Lisboa, 08 de março de 2022


terça-feira, 1 de março de 2022

Quadro estratégico de Saúde e Segurança do Trabalho, 2021-2027

 


Antonio Sousa-Uva

 

Há várias décadas que, no seio da (actual) União Europeia, vivemos, periodicamente, com quadros estratégicos de Saúde e Segurança do Trabalho (o actual, para o período de 2021 a 2027).

 

A prevenção das “doenças ligadas ao trabalho”, entendidas como todas as situações patológicas em que o trabalho, de algum modo, influencia negativamente a saúde não tem, contudo e aparentemente, merecido suficiente atenção, pelo menos em relação à atenção dada aos acidentes de trabalho.

 

Nesta estratégia 2021-2027 são fixados três grandes objectivos1-2:

 

  • Melhorar a prevenção de acidentes e de doenças no local de trabalho;
  • Antecipar e gerir a mudança no novo mundo do trabalho, resultante das transições ecológica, digital e demográfica;
  • Aumentar a preparação para responder a futuras crises sanitárias.

 

A formulação é genérica e no primeiro objectivo, presume-se que se refere à prevenção das “doenças relacionadas com o trabalho”, “maltratadas” e esquecidas há décadas, de que o cancro “ligado” ao trabalho é um bom exemplo. Há contudo um mau indício, na língua inglesa o texto refere-se a “workplace illnesses” e não a “work-related diseases” ou “occupational diseases1. Aparentemente são termos usados como sinónimos, ainda que disease e illness possam não ter exactamente o mesmo significado (e restam ainda disorder e sickness). Certo, certo é que doença profissional não é sinónimo de doença relacionada com o trabalho!

 

Se a influência negativa dos factores de risco profissionais já tinha alguma complexidade, agora, com este texto, aumenta-se a complexidade com as tais workplace illnesses” que "inovam" em Patologia e Clínica do Trabalho ou, pelo menos, acrescentam incerteza.


O segundo objectivo estratégico aponta para grandes mudanças no mundo do trabalho, quer em relação aos trabalhadores, quer em relação às transformações que vão ocorrendo nas condições de trabalho que colocam, de facto, importantes desafios, também nas relações trabalho/saúde(doença).

 

O último objectivo estratégico é determinado, totalmente, pela actual situação pandémica  e, salvo melhor opinião, era desnecessário. De facto a Saúde Pública enquadra a saúde em todas as políticas e essa preparação de resposta a novas emergências, deveria ser um desígnio nacional e não propriamente um objectivo “específico” da Saúde e Segurança do Trabalho. Compreende-se, todavia, que a intensidade do impacto da actual pandemia também se transmita às políticas sectoriais.

 

A melhor estratégia deveria ser a da inclusão da protecção da saúde (e também da segurança) de quem trabalha nas boas práticas do exercício de qualquer actividade, por oposição à perspectiva mais habitual de a considerar algo que se “acrescenta” a essas boas práticas. Enquanto tal não for a cultura empresarial dominante corre-se o risco de a perspectivar mais como um custo do que como um investimento3. E isso não ajuda nada a protecção da saúde (e da segurança) dos trabalhadores nos locais de trabalho que se presume que seja o pretendido.


 Lisboa, 1 de março de 2022

   

Nota: Baseado na publicação anterior em Healthnews.

 

Referências bibliográficas

1   Comissão Europeia. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões.  Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:52021DC0323&from=EN (consultado em 20-02-2022).

2  Sousa-Uva A.  Quadros estratégicos de Saúde e Segurança: “muita parra e pouca uva”? Segurança. 2022;256 (em publicação).

3  Sousa-Uva, A e Serranheira, F. Saúde, Doença e Trabalho: ganhar ou perder a vida a trabalhar? Lisboa:  Diário de Bordo, 3ª edição. (em publicação).