Antonio Sousa-Uva
prevenção de riscos
Diversas estimativas de diversas organizações, com destaque para as organizações das Nações Unidas, indicam o sofrimento, a morte e as implicações económicas das “doenças ligadas ao trabalho” e a consequente necessidade da sua prevenção. São, de facto, vários milhões de mortes que, pelo menos no plano teórico, podiam ser totalmente evitadas e, em termos práticos, pelo menos, muito diminuídas. Dito de outra maneira, mais ou menos em cada dois anos, no mundo, perdem a vida a ganhá-la o equivalente à população ativa de Portugal o que constitui uma imagem “esmagadora” e reveladora da necessidade de investir mais na prevenção dos riscos profissionais e na promoção da saúde no trabalho.
Das centenas de milhares de acidentes mortais e das centenas de milhões de acidentes de trabalho que se estima que anualmente ocorram no mundo e das ainda mais prevalentes doenças ligadas ao trabalho (não só doenças profissionais) também muitas podiam ser evitadas se fossem adoptadas as medidas de prevenção adequadas. Temos, portanto, todos ainda tanto a fazer, já que tudo leva crer que o trabalho, por certo, não acabará.
As taxas de frequência de acidentes de trabalho por regiões do globo são muito díspares o que determina também a necessidade de “globalização” das medidas de proteção e de promoção da saúde de quem trabalha em vez da seleção “natural” dos países de mais baixa “renda” para concentrar a produção mais “agressiva” para a saúde por mais insuficiente regulamentação e controlo (uma espécie de exportação dos riscos profissionais). Por exemplo, as economias mais robustas têm uma população activa semelhante à da Índia, verificando-se, no entanto, que neste país ocorre um número de acidentes (incluindo os mortais) três vezes superior, apesar da economia informal ser intensamente dominante. Não poderia existir uma maior demonstração dos resultados potenciais daquela “globalização” em matéria de prevenção e da necessidade dessa globalização uma vez que a poupança em medidas de saúde e segurança cria concorrência desleal tão "odiada" pelas economias de mercado.
Muita da gestão dos riscos profissionais assenta em medidas centradas nos trabalhadores, mais relacionadas com a Medicina do Trabalho e outras, por outro lado, são mais focadas no ambiente de trabalho.
O “empoderamento” dos trabalhadores ampliando muito a sua literacia em Saúde Ocupacional é, se não ausente, muito incipiente, e deve ser vista como mais uma das principais medidas de aumento da perceção dos riscos profissionais que deveria ser mais “uma linha da frente” no combate às más condições de trabalho na perspetiva da Saúde e da Segurança do Trabalho. Tal, todavia, não é a regra e essa iliteracia é, em si mesmo, um factor de risco adicional.
É, consequentemente, urgente contribuir para a modificação de uma cultura muito dominante do “improviso” tão “impregnada” entre nós, para um clima e uma cultura de saúde e segurança que reduza, tendencialmente a zero, a probabilidade de ocorrência de acidentes de trabalho e de doenças profissionais. E tal só será alcançado quando as práticas profissionais também exigirem o cumprimento de regras de saúde e segurança nas suas boas práticas e as sociedades se organizarem mais nesse sentido em vez da "imposição" actual que alimenta uma espécie de "jogo do gato e do rato" no cumprimento de normas e obrigações. Paradoxalmente, mas frequentemente, esses gastos são mesmo perspectivados como custos que encarecem o produto e que são um obstáculo à produção
Entre nós, apesar do percurso Europeu feito nas últimas três a quatro décadas, as medidas de organização do combate aos riscos profissionais tardam em “impregnar” a cultura organizacional nacional daquela urgência, circunscrevendo-se muitas vezes a aspetos formais de dispositivos normativos e de controlo do seu cumprimento “administrativo” do tipo "livra coima".
Salvo melhor opinião, esse é “o caminho das pedras” para lá chegar e uma das maneiras de “tirar pedras” é investir muito, e organizadamente, na literacia dos trabalhadores (e de empregadores) nessas matérias. Caso contrário vai eternizar-se a perspectiva mais frequente de "olhar" a prevenção dos riscos profissionais e a promoção da saúde no trabalho como mais um "imposto" que dificulta o desenvolvimento e a robustez da economia. É que, de facto, o investimento nessa área é mais um elemento de "melhoria contínua" uma vez que não há qualidade do produto sem qualidade do produtor e dos meios de produção. A saúde e segurança do trabalho são, obviamente, disso parte integrante e não podem ser perspectivadas como um obstáculo à saúde financeira do nosso tecido empresarial. Será assim tão difícil perceber isso?
Bibliografia
- Sousa-Uva, A (ed). Trabalhadores saudáveis e seguros em locais de trabalho saudáveis e seguros, 2010, Lisboa: Petrica Editores.
- Sousa-Uva, A (org). Saúde Ocupacional: o trabalho ou o trabalhador como principal alvo da sua ação? 2019, Lisboa: Petrica Editores.
- Sousa-Uva A, Leite E, Serranheira F. Políticas de Saúde e Segurança do Trabalho: Obrigação legal ou opção das empresas (e outras organizações) na valorização dos seus recursos humanos? Segurança. 2010;196:12-15.
- Sousa-Uva, A, Serranheira, F. Saúde, Doença e Trabalho: ganhar ou perder a vida a trabalhar? 2019, Lisboa: Diário de Bordo 2ª edição.