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domingo, 17 de abril de 2022

Saúde Ocupacional: O trabalho ou o trabalhador como principal alvo da sua ação?

 


Antonio Sousa-Uva


É quase regra que, na actualidade, um grande número de textos referentes à Saúde (e Segurança) do Trabalho coloquem o principal enfoque nos locais de trabalho, principalmente os textos oriundos de referências normativas. Até aos anos de 1970 ou 1980 a referência era quase exclusivamente feita à Medicina do Trabalho, datas a partir das quais se passou a dar muito mais destaque à pluri e transdisciplinaridade e se passou a falar mais em Saúde Ocupacional (1). 


Essa "nova" perspectiva mantinha o foco no trabalhador, assumindo que para se obter eficácia na prevenção dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais era necessário o concurso de diversas áreas científicas que não se esgotavam na Medicina do Trabalho.


Foram organismos das Nações Unidas que lideraram essa nova perspectiva, muito mais abrangente e, julga-se, com o propósito de não ser possível ter eficácia na prevenção dos riscos profissionais sem os conhecimentos e as metodologias, essencialmente, da Higiene do Trabalho (ou Higiene Industrial) e da Segurança do Trabalho que se dedicam, essencialmente, à prevenção ambiental desses riscos, respectivamente, de doença profissional e de acidente de trabalho (2).   


Até então, portanto, o foco era a Medicina do Trabalho "clássica" a que sucedeu a Nova Saúde Ocupacional com a referida perspectiva pluri e transdisciplinar, a caminho da "Saúde do Trabalhador"(3).


Entretanto, os sectores de actividade económica sofriam uma grande revolução, migrando as preocupações das relações trabalho/saúde para o sector terciário de actividade económica que passaram a empregar 2/3 a 3/4 da população activa e começou a "emergir" a preocupação dos riscos denominados psicossociais que "arredaram" a atenção dada aos factores de risco de natureza física e química até então o foco de atenção (1). Estes factores de risco, frequentemente confundidos com os riscos psicossociais, passaram a ser perspectivados, eminentemente, nas características individuais dos trabalhadores, como se o clima organizacional e outros factores organizacionais não tivessem qualquer preponderância na etiologia de potenciais efeitos para a saúde mental e física dos trabalhadores. 


A questão decisiva é, no entanto, o foco destas diversas intervenções: o trabalho ou o trabalhador? ambos? ou qual o preponderante?



Que não restem quaisquer dúvidas: a Saúde (e a Segurança) do Trabalho dirige(m)-se à protecção (e à  promoção) da saúde (e da segurança) dos trabalhadores e os locais de trabalho saudáveis (e seguros) só servem para "contribuir" para isso mesmo. Dito de outra forma, são um meio e não um fim em si mesmos (4).

O que de facto está em causa é a protecção e a promoção da saúde de quem trabalha e a manutenção da sua capacidade de trabalho e isso tem mais a ver com trabalhadores saudáveis (e seguros) do que com locais de trabalho saudáveis (e seguros) e, consequentemente, é indispensável que se (e não des)foque o objectivo de qualquer intervenção nesse domínio. 



Não será altura de terminar uma espécie de uma aparente "miopia corporativa" que parece sobrepor-se ao que é essencial?

De facto a saúde (e a segurança) do trabalhador deve centrar-se mais nos seus destinatários no que nos prestadores de cuidados. Aproximando-se o dia da Saúde e Segurança do Trabalho (28 de abril) essa sim seria uma forma interessante de comemoração. Apetece mesmo dizer, recordando um tema de uma anterior campanha SST dirigida à prevenção das lesões músculo-esqueléticas ligadas (ou relacionadas) ao (com o) trabalho (LMELT ou LMERT): "não vires as costas aos trabalhadores".


Bibliografia

  1. Santos CS, Sousa-Uva A. Saúde e Segurança do Trabalho: notas historiográficas com futuro. Lisboa: ACT, 2009, 231 pp.
  2. Sousa-Uva, A. Trabalhadores saudáveis e seguros em locais de trabalho saudáveis e seguros, Lisboa: Petrica Editores, 2010
  3. Mendes R*, Dias EC. Da Medicina do Trabalho à Saúde do Trabalhador. Rev. Saúde Pública. 1991;25(5):341-349.
  4. Sousa-Uva A. Saúde Ocupacional: o trabalho ou o trabalhador com principal alvo da sua ação? Lisboa: Petrica, 2019. 166 p., ISBN 978-989-99550-8-0.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Mais um Dia mundial da saúde!



 Antonio Sousa-Uva

 

Este ano de 2022 dedicado ao lema “Our Planet, our Health”, o dia mundial da saúde celebra-se na perspetiva das relações entre o ambiente e a saúde(doença). O foco, e bem, é colocado na saúde do planeta, designadamente, em aspetos da qualidade do ar, da água, dos solos e dos alimentos.

Procura-se mais uma vez evocar as interligações e interdependências entre o ambiente e a saúde, chamando a atenção para a necessidade das economias se confinarem a atividades que não coloquem em causa a saúde do planeta.

Para quem não saiba há também um Dia mundial do Doente (e não da Doença), que se celebra em 11 de fevereiro.

Proximamente, em 28 de abril, também será comemorado o dia mundial da Saúde e Segurança do Trabalho que, se versasse o mesmo tema, poderia ter o lema “A nossa empresa, a nossa saúde” na perspectiva equivalente, e igualmente pouco valorizada, entre o ambiente de trabalho e a saúde(doença).

Apesar disso, as nossas respostas são insuficientes e um bom exemplo disso seriam as mudanças climáticas e as suas diversas consequências que não parecem ser bastantes para determinar respostas adequadas da comunidade mundial que, de facto, invertam a atual situação.

Não seria o suficiente para termos mais ação e menos conversa? 

Quero crer que sim mas o que não podemos mesmo é desistir de apelar à necessidade de fazer mais pela nossa saúde que depende muito da saúde do nosso planeta. 

Ao menos que este dia mundial da saúde de 2022 seja mais uma oportunidade para engrossar as fileiras dos defensores do ambiente!

7 de abril de 2022

domingo, 3 de abril de 2022

A Saúde Ocupacional e a Medicina do Trabalho são cada vez mais necessárias!



Antonio Sousa-Uva

 

 

A Saúde Ocupacional, no seu sentido mais amplo, é uma área científica, multi(e trans)disciplinar, que objetiva um ambiente de trabalho saudável, seguro e satisfatoriamente confortável e um trabalhador saudável, ativo e produtivo, sem doenças naturais ou profissionais e apto e motivado para o exercício da sua atividade profissional, com satisfação e desenvolvendo-se de forma pessoal e profissional. A Medicina do Trabalho, entre outras, faz parte dessa área científica.

 

O trabalho pode afetar, positiva ou negativamente, a saúde sendo a prevenção dos riscos profissionais, principalmente das doenças profissionais e dos acidentes de trabalho, as suas componentes mais valorizadas, ainda que os fatores profissionais possam influenciar a saúde de muitas outras formas.

 

O número e a diversidade dos fatores de risco para a saúde potencialmente existentes num ambiente de trabalho são consideráveis, diversificados e relacionados com a atividade e as condições em que é exercida. Esses fatores são tradicionalmente classificados, consoante a sua natureza, em fatores físicos, químicos, (micro)biológicos, psicossociais e relacionados com a atividade (ergonómicos, para alguns autores). Todas essas cinco categorias de fatores de risco são susceptíveis de causar efeitos adversos para a saúde.

 

Quem trabalha não deve perder a vida a ganhá-la e, consequentemente, é imperioso que se valorize o trabalho como atividade central da vida humana isenta de riscos profissionais ou, no mínimo, ambientes de trabalho em que o seu controlo seja efetivo e em ambientes de trabalho compatíveis com as situações (de saúde) concretas dos trabalhadores.

 

Ao longo da vida ativa sabe-se, por exemplo, que a capacidade física, medida através da capacidade cardiorrespiratória, da força máxima voluntária ou da capacidade musculoesquelética, declina com a idade, para não referir a diminuição das capacidades auditiva e visual, por exemplo, mais percetíveis por todos. Tal determina que as exigências do trabalho e as condições em que o trabalho é realizado sejam concebidos para os trabalhadores concretos que constituem a força de trabalho e não para um estereótipo de “trabalhador médio” a que frequentemente se recorre.

 

O actual prolongamento da vida activa determina, consequentemente, ainda um maior investimento na melhoria das condições de trabalho na perspectiva da saúde (e da segurança). De facto, a falência (ou a insuficiência) das intervenções na promoção da saúde no trabalho e na prevenção (médica e ambiental) dos riscos profissionais também pode causar a ocorrência de doenças profissionais e de acidentes de trabalho com os decorrentes danos para a saúde e a necessidade da sua reparação.

 

O estabelecimento de incapacidades permanentes resultantes daqueles danos consequência, por exemplo, de sequelas irreversíveis também deve determinar a adaptação do trabalho às capacidades restantes dos trabalhadores. O trabalho não pode, por isso, ser considerado imutável devendo adaptar-se aos trabalhadores concretos que o realizam, mesmo em situações, que possam surgir, com necessidades de readaptação, recolocação ou, até mesmo, reconversão. Tal exige a organização de serviços competentes e o fomento da criação de uma cultura (ou, pelo menos, de um clima) de saúde (e segurança) nas empresas (e outras organizações) que sirvam essas finalidades.

 

Nota: Publicado, inicialmente, em Healthnews.


Bibliografia

  • Sousa-Uva, A. Trabalhadores saudáveis e seguros em locais de trabalho saudáveis e seguros, Lisboa: Petrica Editores, 2010
  • Sousa-Uva A, Serranheira F. Saúde, Doença e Trabalho: ganhar ou perder a vida a trabalhar. Lisboa: Diário de Bordo, 2ª ed., 2019.